| 1 comentários |

terça-feira, 24 de maio de 2011

Não era pra ser

Se ele mesmo se achava tão esquisito, imagine os outros. Em sua lista de paranoias estavam não pisar em linhas na calçada, apagar 'bitucas' de cigarro acesas no chão, tentar ajudar alguém que parece perdido, mesmo podendo receber um resposta cretina e andar sempre do lado mais próximo da rua, quando estivesse acompanhado.

Não tinha a menor noção do que havia causado tantas manias, mas não conseguia controlá-las. Bastava andar na rua ao lado de alguém, que já ia pro lado mais perto da rua. Se visse 'bituca' no meio da rua, saía do passeio só para apagar, como se dali fosse nascer um belo incêndio urbano.

Um dia, seu pé foi pisado logo quando ia apagar a quinta 'bituca' do dia, um novo recorde. O grito foi silenciado ainda quando olhava para baixo e viu uma sandália linda mostrando dedos ainda mais atraentes. Os olhos verdes deixaram qualquer indício de raiva de lado. Ela também vinha apagando 'bitucas' há mais de 10 anos, desde que o pai morreu devido a um câncer.

Descobriram afinidades ainda enquanto um pedia desculpa ao outro. "Que isso imagina, deixa pra lá, também odeio Marlboro, fede demais" e por aí vai...

Mas ela não entendia quando ele insistia em trocar de lado quando andavam na rua. E também saía pisando em todas as linhas do passeio. Um absurdo!

Em poucos segundos, o que era um amor platônico se transformou em uma completa desilusão. Não era pra ser. ...read more ⇒
| 0 comentários |

segunda-feira, 9 de maio de 2011

Fumaça no pulmão dos outros é refresco!

Adorava tomar uma cerveja gelada, ainda mais em boa companhia. Com um bom papo, várias cervejas desciam, uma atrás da outra, e ele mal via, só aproveitando a conversa que parecia não ter fim. Um assunto era emendado em outro, que ia pra mais um, passando por confissões, piadas e alguns momentos de silêncio, também bem-vindos.

Mas nem tudo era perfeito. A hora do cigarrinho lhe incomodava demais. Uma fumaça tóxica e fedorenta que parecia lhe adorar, sempre ia em sua direção. Ficava impregnada no cabelo, na roupa e muitos juravam que era ele quem havia fumado há poucos instantes, tamanho odor que exalava. Mas tudo vinha de seu estimado companheiro, fumante assíduo há mais de 30 anos.

Havia deixado o cigarro ainda na adolescência. Se lembrava em como gostava de fumar um cigarro e tomar uma cerveja. Até o casamento de um amigo. Um porre daqueles, uma ressaca histórica e uma bela vontade de colocar tudo pra fora na manhã seguinte, quando foi acender o primeiro do dia. A partir dali, tomou nojo e não suportava mais cigarros.

Toda vez que sentia o cheiro, lembrava do gosto insuportável que ficava na boca, da mão com aquele cheiro de nicotina barata e das náuseas pós casório. "Nunca mais", prometeu para assim mesmo. No começo foi mais difícil, algumas situações pareciam implorar por inofensivos traguinhos naquele tabaco. Mas depois acostumou-se e já faziam mais de 20 anos que abandonara o vício. Dava graças pela sábia decisão.

E todas as vezes em que encontrava com o amigo para uma cerveja, lá estava ele com um maço no bolso da camisa, fechado e outro no bolso da calça, prestes a acabar. Era uma chaminé ambulante, era um atrás do outro, acendia o próximo na guimba do último. Insistia em falar para o amigo sobre os males e toda a história que todos já sabem, sem resultado algum. Quando um ou outro resolvia acompanhá-los, rezava para que não fossem fumantes.

Em um destes dias, eram quatro na mesa, três fumantes e ele ali, no meio daquele tiro cruzado, enfumaçado, sufocado por tanta coisa ruim de uma só vez. Preferiu se retirar enquantos os fumantes se deliciavam. Normalmente, os fumantes se retiram para darem seus prazerosos tragos. Mas como era minoria e o local era aberto, não teve opção. Saiu da mesa com seu copo de cerveja pela metade, foi dar uma volta, conhecer o bar já conhecido, conversar com um garçom ou outro, ver uma menina bonita aqui, outra ali, enquanto a turma entupia os pulmões de fumaça preta e cancerígena. "Já devo ter câncer de pulmão há muito tempo", pensou silenciosamente, tendo como referência o tempo que passou ao lado do amigo.

Costumava suportar a fumaça vinda de um único cigarro, mas não de três ao mesmo tempo. Ficava assustado em como os três nem se importavam com o incômodo que causavam. Nem se davam conta de que poderiam estar atrapalhando alguém. "Que se dane esse caretinha", deviam pensar.

Quando o quinto elemento da mesa chegou e colocou a mão no bolso, rezou para não ser uma maço de cigarro. Não deu outra. Não dava mais. Levantou e foi embora. "Eles que se virem com a conta", pensou com raiva. "A minha, do médico dos pulmões, sou eu que vou pagar". Bateu em retirada para nunca mais voltar. ...read more ⇒
| 3 comentários |

quarta-feira, 4 de maio de 2011

A primeira passagem a gente nunca esquece

É bobo e não é. Tem uma relevância, é um marco e ao mesmo tempo é tão comum e corriqueiro. Mas quando a gente vê pela primeira vez dá um orgulho danado, mesmo que ainda possa melhorar bastante.

A minha primeira passagem na televisão foi pro ar neste 3 de maio. Saiu depois de muitas tentativas, erros, acertos, testes e alguns toques no visual e indumentária. Imagem é tudo, já dizia alguma propaganda. E realmente faz muita diferença.

A passagem no ar foi como um artigo publicado, um texto na revista ou no jornal. Bem diferente do off e locução; estes parecem não ter muito'charme'. Não chamam tanto a atenção, apesar de ter uma importância equivalente para a matéria.

Ficou bom, mas a tendência é melhorar. Prática e força de vontade podem ajudar bastante. Uma coisa de cada vez, tudo na sua hora.

...read more ⇒
| 3 comentários |

segunda-feira, 2 de maio de 2011

Vai pra onde, minha senhora?

Assim que desceu do ônibus, viu o rosto enrugado antes mesmo de colocar os pés no chão. Cabisbaixa, com um lenço na cabeça, miúda, pequena, quase nada. Passa desapercebida para muitos, que andam logo ali tão apressados, sem dar atenção para o lado.

Tentava enxergar os ônibus, de longe, com dificuldade. A cor e os destinos passavam batido. Sua rota era Macaxeiras. "Ônibus 127, linha B, cor azul com lilás, mais azul do que lilás, tá mãe?", disse a filha, passando uma orientação atenciosa mas única. A memória da senhora era boa, o difícil era enxergar.

O cabelo branco, cheio de grampos e o vestido típico de muitos idosos dificultavam que ela chamasse atenção.

O garoto encostou na parede perto do ponto e mirou a velha senhora com dois sacos de latinhas vazias e amassadas, na altura do seu joelho. Não só o rosto, mas a pele também era recheada por rugas e marcas do tempo, mostrando uma pele frágil. Pensou para onde ela estaria indo, por que estava sozinha.

Não era comum ele notar dificuldades e situações próximas, mas aquilo chamou sua atenção. Viu sua dificuldade em enxergar os ônibus e se aproximou. Ouviu a indicação e deu sinal para o segundo ônibus que passou. Ajudou a idosa e subir no ônibus, se misturando no meio de tanta gente, já em pé.

Enquanto o ônibus partia, imaginou em tudo que ela tinha vivido até estar ali. Parecia infeliz e solitária, mas conformada. Comparou-se com a senhora até que o pensamento se foi. Não percebeu que durante todo o dia tentava lembrar de algo, que não surgia, mas incomodava.

Somente quando botou a cabeça no travesseiro e descansou, é que lembrou de tudo. Imaginou, no mesmo instante, onde e como estaria a velhinha vista pela manhã. Sorte, privilégio e um destino não muito grato para uns, demais para outros. "Vai pra onde, minha senhora?" - aquilo ficou para sempre. ...read more ⇒