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terça-feira, 13 de setembro de 2011

Misteriosos e esquisitos

Não passavam dois dias seguidos sem que ele deixasse de ver uma das duas figuras emblemáticas e misteriosas do bairro. Um senhor, que devia beirar os 80 anos, boina cinza já desgastada, calça cáqui, camisa e jaqueta e um problema na coluna que o obrigava a olhar para baixo o tempo todo, como se estivesse procurando por alguma coisa. Pelo menos foi essa a impressão passada quando foi visto pela primeira vez. A lesão devia ser séria.

Para observar alguém, tinha que se afastar. Desta forma, conseguia fazer contato visual levantando só um pouco o pescoço, o que devia ser um belo de um esforço para alguém com idade já avançada e com a coluna quase em pedaços.

Um vez, o viu no canteiro central e atravessou a rua para se aproximar. Automaticamente, o senhor foi em direção contrária, como que fugindo de qualquer tipo de contato.

Sempre carregando um saquinho plástico, andava sempre pelo canteiro central da avenida. Por ali, era figurinha carimbada. O que ele carregava naquele saquinho era um mistério, assim como seu local de residência.

Mistério maior foi quando foi visto do outro lado da cidade. Como ele parou ali e pra quê? Tudo bem andar de um lado para o outro no bairro. Devia ter seus motivos. Mas a sua presença bem distante do seu 'habitat' foi, no mínimo, diferente.

A outra figura tinha alguns anos a menos e era do sexo feminino. Cara fechada, sandália de pano no fim de uso, cabeça coberta por uma espécie de toca, que parecia ter sido toda queimada. Quando se aproximava, era possível perceber que usava, ainda, algo por debaixo do pano marcado pelo fogo. Tinha uma cara fechada e também carregava um saco na mão, com conteúdo desconhecido.

Suas roupas pareciam velhos trapos, mas pelo menos sabia onde ela residia. Uma enorme casa na esquina de baixo da rua. Apesar do tamanho e da ótima localização, a casa era mais que abandonada. Quem passava na porta, custava a reparar no imóvel, coberto por árvores e grades enferrujadas.

Um dia teve a oportunidade de ver, de um prédio ao lado, a casa, por cima. Era realmente enorme, cheia de cômodos, três andares. Mas tudo parecia estar esquecido. Janelas quebradas, quartos sem portas e muita sujeira. Como alguém poderia viver ali?

Toda vez que via os dois, ficava numa dúvida constante sobre tanta coisa que chamava sua atenção. Eram duas figuras bem esquisitas. Nunca os vira conversando com ninguém.

Passou anos naquela dúvida até que viu o senhor, muito tempo depois, entrar na casa abandonada. À sua espera, no portão, a velha com cara fechada e os dois com o bendito saquinho na mão. Quem diria que os dois moravam juntos? Ou seria apenas uma visita?

Ficou ainda mais curioso em saber se tratava-se de um casal feliz ou se eram apenas conhecidos e ligados pela loucura. A história de vida de cada um não devia ser muito boa, já tendo o atual momento como desfecho.

Torcia, pelo menos, para eles serem felizes naquele momento. Apesar dela não transparecer e ser pouco possível, era o que parecia restar ao dois, idosos e esquisitos, misteriosos com seus saquinhos sempre cheios de não sei o quê. ...read more ⇒
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segunda-feira, 5 de setembro de 2011

Palhaço Corrosivo

A vida boa que ele tinha, era rara. Casa na praia, iate, comida da melhor qualidade. Mas sua forma de fazer dinheiro era incomum: palhaço dos bons, profissão que havia herdado do pai.

Ainda novo, acompanhava o genitor em suas apresentações e pôde aprender muito. Mas foi além disso. Incorporou seu próprio espírito e se tornou o palhaço mais querido e requisitado do país. Shows, eventos e festas infantis eram constantes. O cachê era alto, compensava.

O carisma que tinha com os pequenos era único. Contava piadas, fazia caretas e fazia todos rirem. Os contratantes diziam que o preço pago valia a pena só de ver o rosto estampado em todos os presentes.

Atrás das cortinas, desfigurava-se. Mau humor em pessoa, reclamava de tudo que podia. Nada estava bom, a insatisfação era constante. "Cadê a porra do whisky?" e "vamos embora!" eram seus pedidos mais recorrentes.

Quem presenciava os bastidores, não acreditava. Muitos empresários sabiam da postura, mas pagavam pela competência.

A irritação, não se sabe como, sumia nas performances. Não havia nem vestígio do real personagem de minutos antes.

Em ninguém, além das crianças, batia a imensa saudade do Palhaço Corrosivo. ...read more ⇒