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segunda-feira, 31 de outubro de 2011

Ele é ruim e está em um péssimo momento

Jogador mais rodado que ele, eram poucos. Pelo menos no Brasil. Mas mesmo assim se sentia um recordista. Eram exatos 30 anos de bola. Aprendeu com 10, profissionalizou-se com 16 e aos 19 já era titular. Veio seleção, o auge, a fama, a regularidade, a queda, as críticas e o reconhecimento por parte de poucos.

Já tinha visto de tudo, desde esposa invadindo concentração a porrada na cara depois de goleada em clássico, dentro do vestiário.Uma das melhores histórias era do jogador que sempre se mostrava inseguro, vomitava antes de todo jogo contra o maio rival. Era tiro e queda. A água despejada acabava com a energia da figura, que já era ruim de bola.

Já tinha jogado com traíra e com jogador que virou irmão. Conheceu esposa no futebol, assim como amante e hoje noiva. Descobriu que o mundo do futebol também dá voltas. Ali era sua vida e poucas vezes tinha percebido naqueles que eram sua companhia constante, ano após ano. Comentaristas, cronistas, repórteres, narradores e locutores. Os jornalistas formados que estudaram quatro anos em alguma faculdade e tinham, assim como ele, o futebol como profissão e meio de vida.

Adorava a chamada imprensa quando era mais novo e começou a aparecer. Ajudavam-no a aparecer e ganhar nome. Às vezes, queria mais aparecer do que jogar. Fama, sucesso, tudo aquilo era sonho desde garoto.

Mas depois aquela turma começou a encher o saco, querendo demais, isso e aquilo. Os anos foram passando e o saco enchendo. Até que estourou. Teve um atrito com um repórter na boca do túnel. Jogou o cara escada abaixo, com uma dezena de pessoas se embolando atrás. Acabou que tudo ficou no disse me disse.

Mas nunca tinha parado para ver, escutar ou ler sobre o futebol, sobre tudo que aquele monte de gente tinha pra falar. Tudo que pensavam e os fazia refletir. Seus interesses e anseios. Em alguns, dava para perceber facilmente para o time que torciam.

Já tinha sido fonte de algumas matérias e personagem de algumas reportagens e tinha até visto o resultado, ficou legal. Mas acompanhar o trabalho nunca lhe passou pela cabeça. Até que ouviu um comentarista, daqueles superrespeitados, falar que ele não era mais o mesmo, que era ruim e estava em um péssimo momento. Era engraçado, se não fosse com ele. Mas conseguiu achar graça, era até verdade.

Seu futebol já não era o mesmo dos tempos em que foi revelado, tornara-se um jogador comum, até desnecessário. Começou a reparar mais nos comentários, narrações e matérias e começou a tomar gosto.

Voltou às manchetes por sempre citar matérias que tinha visto e lido, dando sua opinião, concordando ou não com o teor usado. Justificava os argumentos, repudiava os excessos e enaltecia as homenagens. Tudo sem cursar um semestre de jornalismo.

Virou comentarista e sempre apresentava aquela expressão que ouvira e nunca lhe saíra da memória: ele é ruim e está em um péssimo momento. Com a decadência do futebol, aquilo era a mais pura verdade. E sempre colava. ...read more ⇒
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segunda-feira, 17 de outubro de 2011

Pela última vez

Fazia terapia há exatos 11 anos. Medos de infância, receios, vontades, pensamentos, tudo o que passava pela cabeça, ele falava, como o próprio profissional orientara.

Todas as sessões haviam ajudado muito, superou várias barreiras que nem imaginou que existia e outras que pareciam intransponíveis.

Mas chegou uma hora em que achava que não dava mais. Não adiantava. Foi bom enquanto durou, mas já tinha dado.

Achou a pessoa certa depois de várias tentativas. Terapeuta não é coisa fácil de se achar. A pessoa deve entender, respeitar, consentir, discordar e orientar, tudo isso de um jeito que não agrida o paciente, que o deixe à vontade, mesmo no meio de tantas informações e sensações.

O doutor já o ajudara além da conta, fora um excelente ouvinte, um conselheiro melhor ainda. Parecia que ele colocava uma boa dose de luz no caminho, deixando tudo mais claro e fácil de ser percorrido. Fora o único entre tantas tentativas. E olha que ele quase virou mais um número. Uma insistência de três meses acabou fazendo a diferença e alertando-o sobre a escolha, que quase lhe escapou por entre os dedos.

Parecia que o terapeuta sabia que aqueles três meses eram decisivos. Fez tudo de um jeito muito diferente a partir dali. Talvez os assuntos abordados desde então o motivaram a isso, vai saber...

Mas não dava mais. Apesar da boa relação, não criou coragem de ir e dar o recado pessoalmente. Mais um medo não superado.

Qual o problema de ir lá e encarar a situação? Não dava, preferiu ligar. Ligou, ninguém atendeu. Caixa postal.

Início do recado: "Doutor, sou eu. Vou ser breve. Não dá mais para mim. Não quero mais me consultar com o senhor. Me desculpe. Acho que foi bom, mas não quero mais. O senhor é um ótimo profissional, tenho certeza que faz milagre com muita gente maluca por aí, bem diferente de mim. Eu não sou maluco. Te procurei porque me sentia mal e muita coisa começou a aparecer. Mas doido eu não sou..."

Continou falando por mais 34 minutos. Uma das melhores consultas que tivera. Falando, falando, falando, sem ninguém o interromper, mas também sem ninguém pra olhar lá no fundo do olho.

Falou de tudo, da vida, da morte, do sexo, dele, da famíia, ex-esposa e filha. Do time do coração, da feijoada, do rock e do pub. Da avó, da madrasta e do tio.

Aquela ligação era a última consulta. Fora um desabafo final de tudo e o fizera, sem saber, esquecer o motivo da ligação. ...read more ⇒