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quinta-feira, 19 de julho de 2012

Amolatore de sucesso!

Já eram 11 anos naquela rotina, que muitas vezes não se repetia. Depois da separação e de ficar sem quase nada, resolveu tentar a sorte como amolador, prática que havia aprendido ainda quando criança. Conseguiu se virar bem, dava pra ganhar a vida amolando facas, tesouras e alicates de unha. Era feliz e satisfeito com o que tinha.

Para ganhar mais clientes, resolveu criar um chamado que seria só seu. Com ele, todos saberiam que Seu Silvério, aquele amolador simpático e um pouco acima do peso, estava chegando com seu bom humor tradicional, pronto para deixar tudo que fosse cortante na melhor das condições. "Olha o amoladooooor! Amolo facas, tesouras, alicaaates de uuunha', entoava várias vezes, em percursos variados e repetidos.

Nos lugares onde a clientela era boa, como na região de açougues e restaurantes, não tinha erro. Ali lucrava bem quase todos os dias. Difícil mesmo era nas residências, as donas de casa de hoje pareciam querer economizar mais que antigamente e não faziam muita questão de solicitar seus serviços, mesmo que soubessem, de longe, que ele se aproximava com seu grito facilmente reconhecível.

Mas foi na área nobre da cidade, cheia de prédios de luxo, que sua vida ganhou uma reviravolta. Abordado por um senhor de idade, perguntou logo o que ele queria amolar e foi surpreendido. "Na verdade, o que me chamou atenção foi sua voz. O senhor tem um belo gogó e gostaria de convidá-lo para fazer um teste. Sou maestro e nosso tenor está adoentado, não deve ter mais condições de se apresentar. Acho que você pode substituí-lo à altura", convidou, aproveitando ainda o fato de ter o biotipo de um 'Pavarotti' piorado.

Sem muito a perder, Seu Silvério compareceu ao teatro após o expediente e ficou maravilhado com o tamanho e estrutura daquela casa que só conhecia de nome. Recebeu as orientações para o teste, que seria feito para duas pessoas além do maestro. Em poucos instantes, todos se surpreenderam com o timbre do amolador, que, no ato, recebeu convite oficial para substituir o velho tenor. Algumas adaptações teriam que ser feitas, uma dicas aqui, outra ali, mas tudo bastante possível.

Na temporada seguinte, a ópera já teria Don Silverone como principal elemento.

Se os ensaios já lhe davam uma boa renda, as apresentações foram mais que suficientes para que ele abandonasse os amoladores. Era grato por tudo que a profissão tinha lhe proporcionado, mas não podia negar o novo rumo que sua vida tinha tomado.

Ganhou fama e sucesso, conheceu Itália, Inglaterra e França. Apresentou-se em casas tão espetaculares quanto seu local de ensaio e sua voz ganhou o mundo. Para completar o sucesso profissional, se destacou como o único que chegou a compor uma obra que seria apreciada por meio de sua potente voz. 'Amolatore' era a canção principal e o ápice das apresentações ao redor do mundo. Uma história de quem saiu das vias e ruelas do interior para os palcos de grandes teatros do mundo, aplaudido de pé por quem mal sabia de sua trajetória.


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terça-feira, 17 de julho de 2012

Na mesma moeda

Depois de doze anos treinando times masculinos, chegou a hora de mudança. Optou por treinar um time feminino, recém-formado, com boa estrutura e salário de ponta, jogadoras de alto nível e boa possibilidade de retorno. A principal mudança nem lhe passou pela cabeça.

No masculino, após os treinos, a reunião no vestiário era obrigatória. No feminino, queria fazer o mesmo. O contato diário com os atletas era uma de suas preferências, acreditava que isso ajudava muito na formação de um grupo qualificado e unido.


Passados vinte minutos do fim do treino, não se deu conta do que estava prestes a acontecer.

As conversas que vinham do vestiário não foram suficientes para chamar sua atenção. Ele era o único homem da equipe inteira e só foi perceber isso, de verdade, quando abriu a porta e se deparou com uma cena que ficaria guardada na sua memória por muitos anos.

Algumas ainda se despiam, enquando outras caminhavam para o chuveiro. Algumas já molhadas se preparavam para começar a trocar de roupa. Uma outra se maquiava no espelho, nua. E ele ali, na porta do vestiário, mudo. O silêncio atingiu todo o ambiente, tudo parado. Ninguém se mexeu nos longos segundos de encaradas.

O pouco tempo foi suficiente para prestar atenção em tudo que acontecia e para se deparar com a situação mais embaraçosa em seus vinte anos de carreira profissional.

No dia seguinte, treino normal, por incrível que pareça. As jogadoras pareciam nem se lembrar do dia anterior. Aliviado, se lembrou de esperar para tomar seu banho.

Na saída do chuveiro, viu que sua mochila tinha sumido e foi surpreendido pela entrada de todas as atletas do grupo, que o viram como viera ao mundo.

Recompensadas, elas revidaram o imprevisto e acabavam com a vergonha que tinham passado. Na mesma moeda, descontaram aquela sensação e agora sim podiam começar a temporada sem ressentimentos. ...read more ⇒