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terça-feira, 19 de fevereiro de 2013

Joga fora no lixo



Divorciado duas vezes, 66 anos, pai de um casal, aposentado. Há quatro anos se mudara para o interior, não dava mais conta de cidade grande. Barulho, gente mal educada e o trânsito. Ah, o trânsito. Só de lembrar que ficou livre de passar perto de shoppings em final de ano sentia um alívio único.

Ali, tinha tudo que queria. Paz, sossego, vida tranquila, cavalo e boi na rua, moço do leite, menino brincando, poucos vizinhos, todos se conhecem. Trabalhou a vida inteira para estar ali, sem luxo e conforto, mas sem faltar nada. Saúde de ferro, nem se lembrava da última vez que adoecera.

Os filhos estavam longes, as ex-mulheres ainda mais, graças a Deus. O que ele teve de tormento na vida por causa de mulher, não cabia no papel. Mas as velhas manias estavam ali, até hoje. As duas ex deviam abrir um sorriso só de pensar nas louquices que deixaram para aquele senhor careca, barrigudo, de óculos e com preocupações de menos.

Uma das poucas, mas que não o incomodava, era a organização. Tudo sempre estava no seu devido lugar, principalmente os papeis.  Santos papéis. Santinhos, bilhetes de loteria, recado, cartas, avisos, lembretes, listas. Tinha de tudo.

Os papéis ficavam bem ao lado da agenda verde, que tinha seu lugar na mesa da sala, ao lado do telefone. um bloco de anotações e pequenas latas de refrigerantes, que foram aproveitadas para canetas, lápis maior, lápis menor. Se o lápis era menor que um mindinho, já era rebaixado. Coisa metódica.

Uma foto com os filhos decorava e refletia o jornal do dia, que no dia seguinte, não ia para o lixo. Não senhor.

A mesa do café da manhã era posta às 6h em ponto, todos os dias. Tinha dia que não achava a colher exclusiva de mexer o café e se desnorteava. Perguntava pra sua empregada e nada. Dias depois, achava a bendita no fundo da última gaveta, bem onde devia estar. Xingava alto.

Nenhum jornal era jogado fora. Um ato de três décadas que deu um baita trabalho na hora da mudança. E pra explicar pro moço do carreto o motivo de levar tanto jornal embora?

 - É pra embalar vidro, é?

 - Né não, vamos embora - respondeu sem dar chance de resposta.

Aquela compilação deixaria qualquer jornalista feliz. Afinal, notícias, mesmo do dia anterior, não foram
feitas para serem jogadas fora. Entrevistas, apurações e muito texto eram preservados.

Mas, o motivo era outro. Ele simplesmente não conseguia jogar fora. Reservou um dos quartos para os jornais velhos, não lidos, lidos, foleados e recentes.

O quarto era de uso exclusivo e ai de quem tentava entrar ali. Quando o perguntavam o que tinha ali, a resposta era rápida: 'umas coisas velhas', seguido de uma conversa qualquer para distrair.

Juntava todos da semana na velha mesa antes de passá-los ao quarto. Um em cima do outro, não podia sobrar espaço.

A cada entrada no quarto, se impressionava com o que tinha conseguido reunir. Era coisa pra pouca gente, isso é certo. Um feito histórico, vangloriava-se. Mas reconhecimento era algo que não queria. Era um prazer pessoal, intransferível.

Até hoje não sabia explicar o sentimento de todo aquele pertencimento. Confundia-se na dificuldade de jogar tudo aquilo fora.

Era meticuloso em excesso. No jeito de falar, sempre formal, mesmo no buteco da esquina. Gostava de política e futebol. Boa música, claro, principalmente no radinho de pilha, um companheiro de longa data. TV, só na hora do noticiário das 20h. Nada de filmes, no máximo um jogo de bola.

Não sabia nada de tecnologia, computadores, gostava mesmo era do contato físico, do cheiro do papel, dos traços escritos e rabiscados, na mensagem enviada e registrada de forma primitiva. Era um verdadeiro rei dos papéis.

Algumas vezes, entrava para reler alguma edição e percebia a preciosidade do que tinha guardado. Momentos históricos preservados, mesmo já amarelados, desgastados, mas úteis. Mais pro apreciação pessoal.

Mas seu feito merecia valor. Reuniu coragem e foi ao jornal da cidade. Não demoraram a fazer uma matéria, que logo ganhou distâncias.

A universidade estadual logo o ofereceu um bom dinheiro em troca de doação. O valor para os alunos seria inestimável em ter tudo aquilo à disposição. Com dor, levou o combinado. Quase chorou quando viu tudo aquilo sair. Virou as costas, não quis se despedir de tantas capas, contra-capas, artigos, matérias, palavras cruzadas e quadrinhos. Eram tantos nomes, tantos entrevistados, tanta coisa...

Sentia que fizera sua parte. Era hora daquilo servir para algo, ajudar os outros. Nunca tinha pensado que aquilo, um dia, teria utilidade.

Teve dificuldade para encontrar novas manias. A casa ficou vazia, algo faltava. Não queria mais saber de jornal guardado.

Lembrava e lamentava, depois sorria ao saber que sua figura dera nome à sala da faculdade, onde tudo era mantido, com muito mais cuidado.

Voltou ali por duas vezes, e só. Teve uma homenagem simples, como ele. Nada de dinheiro, nada de status.

Continuou comprando seu jornal diário. Mas, agora, o destino era a lata de lixo, sem sofrimento.











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sábado, 16 de fevereiro de 2013

Repórter não pode fugir da luta!


Repórter precisa ter paciência, dedicação e um olho bom. Precisa estar atento a tudo e a todos. Qualquer movimento pode virar uma pauta, uma fala, uma citação. Precisa sentir o ambiente. Perceber um grupo que se reúne ou alguém que está sozinho, tudo isso pode render algo.

Não pode ter medo, vergonha ou receio de ir falar com quem quer que seja. Tem que tentar. O máximo que vai acontecer é um papo rápido, uma viagem nem tão perdida quanto possa parecer. Ao lado do fotógrafo, faz uma das duplas mais temidas e respeitadas do jornalismo. Uma sincronia boa pode fazer a diferença.

Repórter tem que meter a cara, perguntar por que, como, onde, quando, quem e muito mais que lhe passar pela cabeça. Precisa ter criatividade para elaborar uma boa pauta, fazer uma pergunta diferenciada, que muitos podem estar pensando, mas não tiveram a audácia de perguntar. Sem medo de ser feliz e de ser criticado, por assessoria, editor ou leitor.

No dia do repórter, minha admiração por vários destes profissionais, de jornal, TV, revista ou rádio. Cada um passa por dificuldades diferentes e ao mesmo tempo parecidas. Enquanto o perrengue de uns é ouvido, de outros é visto e de alguns outros é lido. Muitas vezes, tudo isso que acontece por detrás de uma matéria passa despercebido quando uma ela é publicada.

Com ou sem estrutura, a obrigação é a veiculação, com o máximo de qualidade e autenticidade possível. Depois disso, resta aguardar por um retorno, que muitas vezes nem acontece. O silêncio pode ser o melhor dos elogios.

Sigamos no caminho, perseverando, acreditando que cada fala ou linha pode ser lembrada e fazer a diferença, para o bem ou para o mal.

Não fujamos da luta. ...read more ⇒