Nunca tinha ouvido falar em João Congo. Muito menos visto. E foi, do nada, que acabei conhecendo a mais bela espécie de pássaro que existe no planeta. Conhecendo "de ouvir", é claro. Para vê-los, não é fácil.
Ontem, acompanhei o pai de um amigo em uma visita à uma amiga artista plástica chamada Valdelice Neves. A dita cuja é simplesmente um encanto. Super educada, com uma voz doce, suave e uma gargalhada contagiante. Super alto astral, bom humor lá em cima, difícil de não se encantar. Assim que entramos, me surpreendi com sua casa, cheia de quadros e pinturas por todos os lados. Deviam ter mais de 200 quadros na casa, por todos os lados mesmo. Mas a paixão da artista plástica é o João Congo, pássaro que possui 49 espécies e tem um canto belíssimo. Um não, vários. O João Congo imita o canto de todas as aves existentes na floresta. E essa é apenas uma das características deste pássaro, que só vive em bandos e é extremamente sociável com seus "parentes". Tão sociável, que seus ninhos são construídos todos próximos uns aos outros, como ilustra a figura acima. O ninho tem o formato de uma bolsa, de cerca de 30cm de comprimento.
Além disso, o João Congo é extremamente fiel. Uma vez escolhida a companheira, aquela será a única que irá passar pela vida do macho. Mesmo após a morte da companheira, o João Congo permanece sozinho. Para sempre. Existe um relato de um macho que, após a morte da companheira, vai até o local onde eles foram separados. Diariamente.
Os ninhos de João Congo são extremamente interessantes. Parecem uma grande bolsa, com uma estrutura mais "sólida" na sua base, onde ficam os filhotes. O ninho é tecido com o pássaro de cabeça para baixo e as "costuradas" realizadas pelo pássaro para a construção do ninho são mais rápidas do que agulhas de uma máquina de costura. Que belo espetáculo deve ser ver um João Congo tecendo sua casa. O detalhe é que, próximo à todos os ninhos de João Congo, existe uma casa de marimbondos-flecheiros, espécie mais agressiva de marimbondos, que os protege. Quem ousa se aproximar é picado incessantemente, muitas vezes até a morte.
O fato da proximidade entre João Congo e marimbondos também chama a atenção. Baseada em pesquisas e relatos da população indígena da Amazônica, Valdelice Neves criou uma lenda (existem várias outras) que diz que, enciumado pelo canto e pela imensa vaidade e beleza do João Congo, o pássaro Tanguru Pará resolve se manifestar juntamente com as outras aves da floresta. Diz a elas que é um absurdo um pássaro se comportar daquela forma exagerada, um desrespeito enorme com os outros habitantes da floresta. As aves acabam sendo convencidas pelo Tanguru Pará e resolvem ir ao pai da Floresta, que agora tem o nome esquecido por mim. O Tanguru Pará, representante daquela associação, diz ao pai da floresta tudo o que pensam, e acabam por convencê-lo também. O pai da floresta resolve chamar João Congo e muito aborrecido, lhe informa sobre a visita que recebeu e resolve lhe punir de duas formas: o João Congo viveria para sempre ao lado de marimbondos-flecheiros e deixaria de cantar, para todo o sempre. Desesperado, o João Congo, imediatamente resolve correr atrás do prejuízo.
Como ave inteligente e sabida que era, ele resolve se aproximar dos marimbondos e explicar-lhes o ocorrido. E diz aos marimbondos: fui condenado e terei que viver próximo à vocês eternamente. Os marimbondos aceitam, mas com algo em troca, é claro. O João Congo lhes oferece a sua sabedoria. Sabendo que os marimbondos se aproveitam do que lhes passa ao seu redor para construir suas casas (os marimbondos não tem condições de construir seu ninhos através de sua própria capacidade e aproveitam as formas existentes ao seu redor), o João Congo lhes oferece a sua bela arquitetura, que seria então, aproveitada e copiada pelos marimbondos, que aceitam o pedido e chegam a um acordo.
Pois bem. A primeira parte do plano estava pronta. Agora faltava a parte do canto. João Congo resolve passear por toda a floresta e ouvir todos os pássaros que ali existiam, gravando todos esses cantos para sempre em sua memória. No entanto, seu canto original nunca foi recuperado. Além disso, existe uma única espécie de pássaro que o João Congo não imita o seu canto: o Tanguru Pará. Traidor! Isso é fato, de verdade mesmo. Qualquer espécie de João Congo não suporta ver um Tanguru Pará. Assim que um bando de João Congo avista um Tanguru Pará, eles batem em retirada, imediatamente.
Dizem que o canto mais triste da Floresta Amazônica é o do Tanguru Pará, por não ter seu canto imitado pela mais bela e inteligente ave da floresta e que quando ele canta, parece que a floresta chora, de tanta tristeza que existe em seu som. Ao contrário dos cantos do João Congo, que são considerados a alegria da floresta e extremamente contagiantes. Seu bom-humor é outra caractéristica bastante conhecida.
Todas essas informações são passadas, de geração em geração pela população indígena, que não deixa tais histórias se perderam no tempo, ao contrário da nossa cultura. Todas as histórias indígenas são passadas aos mais novos e recebem uma valorização bem maior que a nossa.
Além disso, o João Congo serve como referência para muitas populações ribeirinhas. Ao perceberem, que o João Congo faz seu ninho em uma parte mais baixa da árvore, a população sabe que naquele ano, será uma época de seca e deixam de plantar e realizar outras atividades em virtude da seca que virá. No entanto, quando o João Congo faz seu ninho nas copas das árvores, é sinal de que aquele ano será de cheia, deixando toda a população feliz com as chuvas que virão. Sábia mãe-natureza!
Fiquei impressionado com os relatos de Valdelice Neves. Conversamos (conversamos não, ouvi) por cerca de 40 minutos sobre o João Congo, suas histórias e as visitas que ela fez à Floresta Amazônica, juntamente com seus guias, á procura de ninhos e informações deste belo pássaro.
Valdelice Neves também realiza um belo projeto com ex-pichadores, que estavam inseridos no mundo das drogas e criminalidade e que hoje, são grafiteiros, artistas e educadores de outras crianças residentes em áreas de risco.
Do nada, recebi uma aula de tirar o fôlego. O que era para ser uma visita, acabou sendo umas das maiores experiências que já tive. Fiquei impressionado com tudo: com a casa, com a dona da casa, com suas obras, suas histórias, sua forma de ser, falar, ouvir...
Pretendo voltar lá, com um caderno de anotações e passar horas e mais horas ouvindo relatos e causos desta artista plástica tão famosa, mas que até então era desconhecida por mim.
João Congo
Por um dia
Nunca havia saído de sua terra natal. E com certeza o Brasil não era uma das primeiras opções quando pensou, anos atrás, em visitar um país estrangeiro. Mas ali estava, por força do destino. Nunca pensou que gostaria tanto de um país de terceiro mundo. E ele estava ali há apenas 3 dias. Mas tudo lhe encantava, tudo era muito diferente. Fruto do fato de sair do país de origem e até mesmo do estado natal após os 20 anos de idade. Seu mundo era somente aquele, sempre fora.
Agora, tudo era novidade: os carros, as pessoas, a língua, a comida. Mas tudo lhe caíra super bem, adaptação melhor impossível. A recepção dos amigos anfitriões não era novidade. Já os conhecia de festas e viradas quando estiveram no estrangeiro. Agora, aquele que ali chegava, estava no papel inverso: agora, era ele o de fora, o visitante. E estar por perto de quem já conhecia tudo ali, de quem nascera naquele local facilitava tudo.
O que mais lhe impressionara, até então, era a hospitalidade das pessoas. Quem diria, que logo num país de terceiro mundo, as pessoas seriam muito mais simpáticas, cordiais e atenciosas do que outras de um país conhecido pela altíssima qualidade de vida. Apesar de todas as dificuldades que ele sabia que aquelas pessoas enfrentavam todos os dias, a vontade de deixá-lo à vontade era nítida.
Ficou impressionado quando, em um dos primeiros semáforos que parou, viu um garoto correndo lá de perto do sinal, vindo em sua direção, parando em frente a cada um dos carros, sabia-se lá porquê. Só quando o garoto se aproximou é que pôde notar que ele deixava um saco de balas com alguma mensagem em cada um daqueles retrovisores. E logo quando acabava de colocar o último saquinho, já voltava recolhendo-os, com pressa, antes do sinal abrir.
Só aí é que ele viu, de verdade, o que muitas pessoas faziam ali para ganhar a vida. É claro que já tinha ouvido falar da situação difícil que muitas pessoas passavam no Brasil, da pobreza e miséria. Mas ouvir é uma coisa e vivenciar, presenciar ali, ao vivo, era outra, completamente diferente. De imediato, começou a pensar onde estariam os pais daquela criança, que não devia ter mais que oito anos. Onde moravam e em que situação, o que comiam, como era o dia-a-dia de cada um deles. E logo começou a imaginar que deviam existir milhares de outras que faziam aquele mesmo "trabalho" do garoto ou algo parecido, ou não tão parecido, para tentar ganhar um troco, manter a vida. E só aí é que a ficha caiu, ao pensar, na alternativa de assaltos, roubos e adjacentes que muitos escolhiam para tentar sair daquela situação em um tempo mais rápido.
E pensando em toda essa situação, o tempo voou e logo chegou ao destino, à sua "casa" naquele mês de outubro. No dia posterior, ele teria uma experiência que nunca mais esqueceria.
Logo nas proximidades do estádio, já havia grande movimentação de pessoas. Todas com camisas das cores do clube, bandeiras e faixas. Bem próximo ao estádio, a famosa "concentração". Todos reunidos, no bar de sempre, se "concentrando" para o grande jogo que aconteceria em breve. Cantos e gritos eram externados o tempo todo. Nunca vira algo como aquilo na vida. Aquilo sim era fanatismo.
Estádio cheio, foram obrigados a parar o carro há algumas quadras do portão de entrada. Oportunidade ideal para o gringo circular um pouco por dentro da massa, sentir o clima, estar ali presente, como qualquer outro. A venda de ambulantes no caminho lhe chamou muito a atenção. Cada um procurava chamar a atenção dos milhares de clientes à sua maneira. Voltou à sua memória a situação do garoto do semáforo. Bem à sua frente, um homem sem camisa com uma tatuagem nas costas. Algo escrito em português não lhe era compreensível. Perguntou ao amigo anfitrião, que era seu tradutor oficial, do que se tratava e não acreditou quando soube que ali, estava o refrão do hino do clube.
Antes da subida para as cadeiras, mais uma cerveja. Achava sensacional a idéia de comprar duas latas de cerveja com apenas um dólar.
Quando entrou no estádio, já tinha bastante álcool no sangue. Quando entrou naquele túnel e pôde ver, pela primeira vez, aquela torcida de que tanto ouvira falar, enchendo e colorindo o estádio, foi uma das maiores sensações de sua vida. Pôde, finalmente, sentir toda aquela vibração que havia escutado por várias vezes.
A entrada do time em campo foi um êxtase. Muitos fogos e uma bandeira gigante, que ocupava quase toda a arquibancada não deixaram que ele prestasse atenção nos jogadores que adentravam o gramado. Tudo ali era novidade, o tempo todo.
Local escolhido, boa visibilidade e uma certa distância do local de maior aglomeração ajudaram que o jogo fosse visto com maior tranqüilidade. O resultado foi o de menos. O que valeu para aquele estrangeiro, naquele dia, foi ser um atleticano de verdade, estar ali presente com a massa, sentir a vibração da torcida, cantar, pular, vivenciar um dia de clássico.
Fizera parte do que tanto ouvira e realmente era aquilo tudo que lhe contaram. Ou mais. Saiu de "alma lavada" do estádio, agradecendo pela oportunidade de uma experiência inesquecível, que só seria presenciada novamente, ali, naquele lugar, naquela cidade, com aquele time e aquela torcida.
Agora entendia a felicidade e o orgulho que era em ser um atleticano nato.
*Homenagem à Graham Taylor, the canadian waiter. ...read more ⇒
Agora, tudo era novidade: os carros, as pessoas, a língua, a comida. Mas tudo lhe caíra super bem, adaptação melhor impossível. A recepção dos amigos anfitriões não era novidade. Já os conhecia de festas e viradas quando estiveram no estrangeiro. Agora, aquele que ali chegava, estava no papel inverso: agora, era ele o de fora, o visitante. E estar por perto de quem já conhecia tudo ali, de quem nascera naquele local facilitava tudo.
O que mais lhe impressionara, até então, era a hospitalidade das pessoas. Quem diria, que logo num país de terceiro mundo, as pessoas seriam muito mais simpáticas, cordiais e atenciosas do que outras de um país conhecido pela altíssima qualidade de vida. Apesar de todas as dificuldades que ele sabia que aquelas pessoas enfrentavam todos os dias, a vontade de deixá-lo à vontade era nítida.
Ficou impressionado quando, em um dos primeiros semáforos que parou, viu um garoto correndo lá de perto do sinal, vindo em sua direção, parando em frente a cada um dos carros, sabia-se lá porquê. Só quando o garoto se aproximou é que pôde notar que ele deixava um saco de balas com alguma mensagem em cada um daqueles retrovisores. E logo quando acabava de colocar o último saquinho, já voltava recolhendo-os, com pressa, antes do sinal abrir.
Só aí é que ele viu, de verdade, o que muitas pessoas faziam ali para ganhar a vida. É claro que já tinha ouvido falar da situação difícil que muitas pessoas passavam no Brasil, da pobreza e miséria. Mas ouvir é uma coisa e vivenciar, presenciar ali, ao vivo, era outra, completamente diferente. De imediato, começou a pensar onde estariam os pais daquela criança, que não devia ter mais que oito anos. Onde moravam e em que situação, o que comiam, como era o dia-a-dia de cada um deles. E logo começou a imaginar que deviam existir milhares de outras que faziam aquele mesmo "trabalho" do garoto ou algo parecido, ou não tão parecido, para tentar ganhar um troco, manter a vida. E só aí é que a ficha caiu, ao pensar, na alternativa de assaltos, roubos e adjacentes que muitos escolhiam para tentar sair daquela situação em um tempo mais rápido.
E pensando em toda essa situação, o tempo voou e logo chegou ao destino, à sua "casa" naquele mês de outubro. No dia posterior, ele teria uma experiência que nunca mais esqueceria.
Logo nas proximidades do estádio, já havia grande movimentação de pessoas. Todas com camisas das cores do clube, bandeiras e faixas. Bem próximo ao estádio, a famosa "concentração". Todos reunidos, no bar de sempre, se "concentrando" para o grande jogo que aconteceria em breve. Cantos e gritos eram externados o tempo todo. Nunca vira algo como aquilo na vida. Aquilo sim era fanatismo.
Estádio cheio, foram obrigados a parar o carro há algumas quadras do portão de entrada. Oportunidade ideal para o gringo circular um pouco por dentro da massa, sentir o clima, estar ali presente, como qualquer outro. A venda de ambulantes no caminho lhe chamou muito a atenção. Cada um procurava chamar a atenção dos milhares de clientes à sua maneira. Voltou à sua memória a situação do garoto do semáforo. Bem à sua frente, um homem sem camisa com uma tatuagem nas costas. Algo escrito em português não lhe era compreensível. Perguntou ao amigo anfitrião, que era seu tradutor oficial, do que se tratava e não acreditou quando soube que ali, estava o refrão do hino do clube.
Antes da subida para as cadeiras, mais uma cerveja. Achava sensacional a idéia de comprar duas latas de cerveja com apenas um dólar.
Quando entrou no estádio, já tinha bastante álcool no sangue. Quando entrou naquele túnel e pôde ver, pela primeira vez, aquela torcida de que tanto ouvira falar, enchendo e colorindo o estádio, foi uma das maiores sensações de sua vida. Pôde, finalmente, sentir toda aquela vibração que havia escutado por várias vezes.
A entrada do time em campo foi um êxtase. Muitos fogos e uma bandeira gigante, que ocupava quase toda a arquibancada não deixaram que ele prestasse atenção nos jogadores que adentravam o gramado. Tudo ali era novidade, o tempo todo.
Local escolhido, boa visibilidade e uma certa distância do local de maior aglomeração ajudaram que o jogo fosse visto com maior tranqüilidade. O resultado foi o de menos. O que valeu para aquele estrangeiro, naquele dia, foi ser um atleticano de verdade, estar ali presente com a massa, sentir a vibração da torcida, cantar, pular, vivenciar um dia de clássico.
Fizera parte do que tanto ouvira e realmente era aquilo tudo que lhe contaram. Ou mais. Saiu de "alma lavada" do estádio, agradecendo pela oportunidade de uma experiência inesquecível, que só seria presenciada novamente, ali, naquele lugar, naquela cidade, com aquele time e aquela torcida.
Agora entendia a felicidade e o orgulho que era em ser um atleticano nato.
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