Melhor que pensava
Um único Carnaval no Rio de Janeiro, com aquela multidão toda e alguma dificuldade para locomover, me fizeram ter dois pés atrás da maior festa do Brasil. Mas foi justamente em casa que reencontrei a alegria de sair nas ruas nesta época.
Claro que fiz questão de evitar aglomerações. Multidão me tiro o humor, a paciência e muito mais.
O risco existia já que Belo Horizonte recebe mais turistas a cada ano e o que não falta é gente espalhada pela cidade.
Mas, no fim, deu tudo certo. Mesmo de plantão em três dos quatro dias, consegui aproveitar, como folião, dois blocos que foram muito bons. Se eles não tivessem sido tão bons, eu continuaria achando que Carnaval é confusão, muvuca, gente bêbada e alguma ressaca de lambuja.
Blocos menores são os ideais. Pouca gente, pouca fila pra tudo e você logo ali perto do carro de som, da bateria ou da banda. Música boa é pré-requisito. Nada de axé dos anos 1990 ou sertanejo. Não, obrigado.
O Memórias Cantando estreou neste ano e ganhou na minha apuração. Bloco parado, no começo da Rua Sapucaí, entoando sambas canção e músicas de carnaval de uma outra época. Uma samba afinada deixou tudo no jeito.
O outro foi o Unidos do Barro Preto. Este andava pelas ruas do 'pólo da moda', com uma kombi sustentando algumas caixas de som e um bocado de gente atrás. Mas nada de lotação, um quarteirão foi o máximo que foi ocupado pelo bloco. Quem quisesse, podia se 'pintar' de barro, que era 'fornecido' por gente do bloco, em baldes. Se eu não tivesse que trabalhar mais tarde, certamente entraria nessa. Neste caso, faltaram alguns ambulantes e muitos banheiros.
Sanitários no Carnaval são fundamentais e os responsáveis pelos blocos têm a obrigação de fazer todo o esforço para não faltar. Não sei se a prefeitura complicou as coisas, mas vi muita gente (inclusive mulheres) fazendo xixi na rua. No desespero, foi o jeito. Teve uma turma de uma construção perto que não acreditava no que via.
Em 2017, espero estar de folga para aproveitar apenas alguns mais. Um atrás do outro não sei se será minha praia. O melhor de tudo é que o preconceito inicial ficou pra trás e agora estarei pronto para me jogar um pouco mais. Só um pouco...
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Chave no vidro
A pressa fez com que, antes mesmo de sair de casa, logo cedo, garrafas já estivessem rolando pelo chão da cozinha. A vizinhança devia estar adorando. Achava um absurdo aquele tanto de vidros em lixeiras comuns e fazia questão de colocar todas no local correto, da coleta seletiva, perto de casa.
A reunião na noite anterior foi boa e fez com que ele tivesse que recolher tudo o que fora consumido poucas horas antes. O sono fora longe de ser profundo. Cerveja, vinho e até o resto do velho Jack, que finalmente se fora. O compromisso pela manhã o colocava justamente no caminho do local onde sempre deixava os vidros. Apesar da pressa, tudo em ordem, tirando a bateção de vidro no porta mala. Mas o pior estava por vir.
Naquela correria, abriu o porta mala e deixou a chave na mão, ao invés de colocar no bolso, como sempre fizera. Resultado: os vidros todos foram parar no gigante recipiente junto com a chave. Percebeu quando foi abrir o carro. Que sorte!
Não conseguia acreditar no que estava acontecendo. Não sabia se ligava para o chaveiro, se tentava arrombar a lixeira de vidro ou se sentava no meio-fio e chorava. Colocou-se na ponta do pé para tentar ver onde estava a chave, como se fosse adiantar. Dois chutes na caçamba e um grito solitário ecoaram pela rua vazia. A chave reserva já tinha ido para o espaço há meses. Pensou em ligar pra mãe e desabafar. O resultado seria nulo.
O tempo passava e decidiu ir caminhando, até encontrar um táxi. Na volta, veria o que fazer. Somente quando chegou em casa, lembrou do incidente da manhã.
"Pua que pariu!", foi a única coisa que conseguiu pensar. Foi até o local e, para sua surpresa, a caçamba estava vazia. Não sabia se era bom ou ruim. Só quando já virava as costas para mais momentos de desespero é que percebeu, debaixo de uma pedra, encostada em uma das várias caixas de papelão, um pequeno metal reluzente. Ao lado, um papel. "Mais cuidado da próxima vez" e a chave logo ali, com alguns resquícios de vidro. O cheiro de cerveja escura no chaveiro do time do coração que ficaria para sempre como um lembrete do preço que se passa por desnecessários desesperos.
Concorrência
Sou a favor do Uber. Por que ser contra um atendimento melhor e mais atencioso, contra um serviço mais prestativo e satisfatório? O conforto é outro, disso não há dúvidas. Os motoristas parece que fazem questão de atender bem, ao contrário de tantos taxistas, que fumam dentro do carro e não conseguem manter um simples diálogo. Há casos e casos.
A concorrência aparece para todos, em vários setores, e com os taxistas, que antes pareciam únicos na praça, não está sendo diferente. Talvez seja bom para que ela revejam alguns conceitos.
No México, o Uber foi regulamentado e acredito que esse pode ser o caminho. Colocar pré-requisitos, taxas ou algo parecido para que eles possam rodar. Não sei se isso acontecerá, mas seria um cenário ideal.
E os interessados que optem pelo serviço que irão usar e pelo 'investimento' que irão fazer. As 'jogadas de marketing' do Uber estão de parabéns. A última dela foi dar picolés de graça para os clientes. Estas e outras ações estão deixando os taxistas furiosos. Bom para aprender. A realidade é essa e aparece para todos. Sairão bem dela quem souber lidar de uma forma mais eficaz e criativa.
E nisso, os taxistas estão atrás. O que conseguiram, até agora, foram protestos e agressões. Posturas longe do reconhecimento que poderiam ganhar com uma alternativa covarde e longe de chegar a uma solução.
E nisso, os taxistas estão atrás. O que conseguiram, até agora, foram protestos e agressões. Posturas longe do reconhecimento que poderiam ganhar com uma alternativa covarde e longe de chegar a uma solução.
Custa nada
Não sabia, mas podia ser considerado um profissional diferenciado. Afinal, quantos garçons como ele tinham a noção para tirar uma boa foto, com composição, textura, enquadramento e um ângulo decente? Poucos, com certeza.
Com 19 anos, fez um curso de fotografia e entrou naquele mundo, mesmo que aos poucos. Comprou uma câmera mais antiga com o primeiro salário e ia investindo quando e como dava. Uma lente aqui, outra ali...
O sonho de viver da fotografia ficou pelo caminho e teve que se virar. O trabalho no restaurante perto de casa, aos 35, servia para compôr a renda do escritório, onde ficava durante o dia. Pouca gente sabia como um garçom ganhava bem, considerando a realidade do período. Em alguns meses, o salário no restaurante superava o 'emprego fixo', graças às generosas gorjetas.
Boa parte delas vinha da sua simpatia e das fotos que tirava, acreditem ou não. Alguns clientes não demoraram a perceber seu talento para a coisa e sempre pediam uma nova foto, mesmo com as mesmas pessoas reunidas. Era postar a foto que curtidas e comentários nas redes sociais se espalhavam, alguns elogiando o talento do fotógrafo. Uma das clientes fez questão de colocar uma das fotos tiradas por ele na sala de casa, de tão boa que ficara. A data da reunião, claro, contribuíra.
Enquanto alguns colegas não tinham a menor condição de registrar uma imagem, ele já se mostrava diferenciado no assunto. Ficava na dele, sem dar dicas para os possíveis 'concorrentes'. Sabia que suas fotos faziam sucesso entre os frequentadores do restaurante. Alguns quadros que decoravam o salão, inclusive, eram de fotos feitas por ele, em parceria com o proprietário, que prometeu guardar segredo. Pratos e paisagens, em sua maioria.
Por mais que a renda o deixasse contente no final do mês, uma grande alegria veio em uma manhã qualquer. Uma cliente antiga e assídua, que ele não imaginava ser uma megaempresária, fez questão de lhe dar o crédito em foto enviada para uma coluna social. Seu nome acabou aparecendo em um dos maiores jornais do país. Foi avisado pelo 'incidente' pelo dono da banca de revistas na esquina de casa.
A partir daí, sempre que tirava uma foto de clientes, mesmo para postagem em redes sociais, fazia um pedido que nunca era esquecido. 'Tem como dar crédito?'
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Caiu na rede
Estava ali há mais de 20 minutos e nada do amigo chegar. Tinha acabado de pedir o terceiro chopp quando viu na mesa ao lado um casal se pegando, daquele jeito. Tentou desviar a atenção, mas a coisa estava além do normal.
Não pôde deixar de reparar no rabo de cavalo pintado de roxo da bonita moça. Lembrou-se, quase que de imediato, de um vídeo que havia recebido, dias antes, no grupo de amigos.
Pegou o telefone e não conseguia acreditar no que via. O casal ao lado era o mesmo do vídeo que recebera. Dois minutos e vinte segundos que o fizeram ver o vídeo repetidas vezes. O casal do vídeo era o casal ao seu lado, não tinha dúvidas.
Como era possível? Preferia nem pensar, só tinha certeza que eram eles.
Não demorou para receber uma mensagem do amigo informando que não chegaria a tempo. Pediu mais um chopp e não conseguia tirar o olho do afortunado casal.
Imaginou se eles já sabiam da propagado vírus. Instantes depois, a moça ficou sozinha na mesa quando o companheiro foi ao banheiro. Olhou para ela e foi retribuído de imediato. Sorriu, ela sorriu. Piscou, ela piscou. Tudo aquilo estava acontecendo, de verdade.
Quando o rapaz voltou, não resistiu. Foi até a mesa deles e, com muito jeito, se apresentou e falou do vídeo. Perguntou se eles sabiam, foi informado que sim e ficou impressionado com a naturalidade do casal. Sentaram juntos, estavam namorando há apenas três meses.
- Vocês não se incomodam?
- Nem um pouco. Deixamos os outros pensarem o que quiserem. Meu celular foi roubado e o vídeo caiu na rede. Paciência... - respondeu a moça.
O que era para ser um happy hour virou uma noitada a três. O bar foi seguido de boate e ainda se beliscava quando entrou numa suíte com os dois. A noite foi daquelas e pouco era lembrado na manhã seguinte. Ressaca, boca seca, dor de cabeça e amnésia. Beber vodca dá nisso...
A presença no serviço pela manhã foi estranha, cheia de olhares. Era ele o mais novo membro de vídeos que se propagam na rede. Na atividade e passividade, ficou famoso de um jeito que não queria. Não conseguia ter a tranquilidade do casal em não se importar com tudo. Demorou para se dar conta de que fora vítima de um golpe sujo, praticado por salafrários sedentos por uma perdição que tão pouco seria esquecida.
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Tapa de luvas
Tapa de luvas
O encontro já tinha mais de dez anos, mas vivia mal das pernas. Aquela 'pelada' semanal, que chegou a contar com três times e meio de fora, agora custava a ter dois times completos para o bate-bola.
Entradas e saídas foram constantes e quem ficava responsável pelas confirmações, ausências e substituições sofria a cada semana. Tinha que ligar do próprio telefone para achar alguém que cobrisse buraco, tirar um goleiro do gol e colocar na linha e por aí vai. Perdeu a conta de quantas semanas foram perdidas, aluguéis indo pro espaço.
Em um deles, um amigo de um amigo se prontificou e chegou pontualmente, quando todos já estavam prontos. Quando o viram, com seus 1,60m, se surpreenderam com o que foi dito.
- Jogo no gol.
- Como assim joga no gol? Vc não trouxe luva, meião, short de goleiro, camisa, nada. E sua altura também não ajuda...
- Só jogo no gol. E descalço.
- Oi?
- De que lado fico?
E, sem resposta, foi pra um dos times. Os risos de alguns antes da bola rolar foram engolidos a seco assim que chutes, cruzamentos e lances de perigo apareciam.
Com bom posicionamento e antecipação, ele fechou o gol, literalmente. Seu time venceu por 8 a 1, um gol contra foi marcado e nada além disso.
Na saída, quando calçava o chinelo, recebeu os cumprimentos de uns e o convite do organizador. Na semana seguinte, voltou e ganhou de presente uma luva de um dos novos colegas.
- Não precisava, mas vou aceitar.
Muitos não percebiam, mas quando a bola estava distante, as unhas do pequeno goleiro sofriam. Pelo menos foi assim na sua estreia.
Com as luvas, os dedos foram preservados e foi somente por isso que o presente foi aceito. Nada de pimenta ou coisa parecida para evitar o péssimo hábito, que acontecia somente dentro de quadra, sabe-se lá o porquê.
A luva, agora, era parceira frequente e não foi mais abandonada. Descalço, com short sem proteção, mas de luva, ele continuou fechando tudo e fazendo questão de jogar sempre no time do responsável pelo presente.
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O encontro já tinha mais de dez anos, mas vivia mal das pernas. Aquela 'pelada' semanal, que chegou a contar com três times e meio de fora, agora custava a ter dois times completos para o bate-bola.
Entradas e saídas foram constantes e quem ficava responsável pelas confirmações, ausências e substituições sofria a cada semana. Tinha que ligar do próprio telefone para achar alguém que cobrisse buraco, tirar um goleiro do gol e colocar na linha e por aí vai. Perdeu a conta de quantas semanas foram perdidas, aluguéis indo pro espaço.
Em um deles, um amigo de um amigo se prontificou e chegou pontualmente, quando todos já estavam prontos. Quando o viram, com seus 1,60m, se surpreenderam com o que foi dito.
- Jogo no gol.
- Como assim joga no gol? Vc não trouxe luva, meião, short de goleiro, camisa, nada. E sua altura também não ajuda...
- Só jogo no gol. E descalço.
- Oi?
- De que lado fico?
E, sem resposta, foi pra um dos times. Os risos de alguns antes da bola rolar foram engolidos a seco assim que chutes, cruzamentos e lances de perigo apareciam.
Com bom posicionamento e antecipação, ele fechou o gol, literalmente. Seu time venceu por 8 a 1, um gol contra foi marcado e nada além disso.
Na saída, quando calçava o chinelo, recebeu os cumprimentos de uns e o convite do organizador. Na semana seguinte, voltou e ganhou de presente uma luva de um dos novos colegas.
- Não precisava, mas vou aceitar.
Muitos não percebiam, mas quando a bola estava distante, as unhas do pequeno goleiro sofriam. Pelo menos foi assim na sua estreia.
Com as luvas, os dedos foram preservados e foi somente por isso que o presente foi aceito. Nada de pimenta ou coisa parecida para evitar o péssimo hábito, que acontecia somente dentro de quadra, sabe-se lá o porquê.
A luva, agora, era parceira frequente e não foi mais abandonada. Descalço, com short sem proteção, mas de luva, ele continuou fechando tudo e fazendo questão de jogar sempre no time do responsável pelo presente.
Saindo dos trilhos
Todo dia era a mesma história. Entrava na estação do metrô e espiava bem para ver se nenhum fiscal ferroviário estava por perto. Não gostava de chegar ali no horário de pico, seu trabalho não seria feito da mesma forma. O horário das 11h era o ideal, menos gente e mais silêncio para tentar sensibilizar um único passageiro que fosse. Com pouco esforço, a meta era superada diariamente.
Com 37 anos de idade, separado e pais de dois meninos, ele tinha uma oratória única e chamativa. Pedia um trocado diariamente e tudo que arrecadava ia para o sustento próprio. Muitos duvidavam, mas outros tantos eram convencidos com sua história de vida, contada resumidamente em pouco mais de cinco minutos.
Este tempo era suficiente para percorrer duas estações e pular para um outro vagão. Chegava na estação final e ia para o outro lado, onde o trem voltava ao seu trajeto inicial. Cansado de procurar emprego e dos preconceitos, decidiu que focaria no seu poder de persuasão enquanto ele estivesse funcionando.
Ao contrário de muitos outros, ele não precisava entregar papéis ou vender balas ou chicletes. Seu poder estava na palavra, no tom de voz, na sinceridade.
Mal sabia como dava certo, só tinha a certeza que funcionava. Falava com o coração, com a calma. Contava boa parte de sua trajetória de vida e antes mesmo de terminar, já tinha gente contando trocados para lhe dar. Quando viu uma moça jovem chorando depois de ouvir seus relatos, viu que tinha potencial para a coisa.
Contava das dificuldades de levar comida pra casa, do filho com fome, das ausências do mais novo na escola por não ter como ir, das desculpas que ele inventava para eles para sofrerem menos. Quando um pouco aparecia, não pensava duas vezes para dar a ele, abdicando de sua própria alimentação ou felicidade.
A mãe havia sumido, desapareceu e nunca mais deu notícia. Tinha que se virar, deixava os filhos com a avó, aposentada e moradora de uma favela. Todos residiam juntos em um barraco de dois cômodos.
Em um dia comum, quando faltava pouco tempo para terminar a última viagem, foi abordado por um senhor de terno, que lhe entregou um cartão com um endereço. Foi no local no dia seguinte, mesmo receoso.
Ficou na dúvida quando chegou em uma igreja evangélica. Foi recebido pelo mesmo homem, que afirmou ter ficado impressionado com sua história de vida. Viu ali um potencial enorme para pregar e o convidou para ser pastor, com uma renda fixa e comissão sobre tudo que entrasse na casa de Deus como contribuição dos fiéis.
Mudou de vida, mas continuou tendo sua oratória como o ganha-pão. Nunca mais abandonou a igreja e fazia questão de usar suas experiências nos trens da capital para motivar e convencer seu rebanho. Seu depoimento ganhou um outro contorno, mas com a mesma base que sempre trilhou seu caminho.
A vida melhorou e sua evolução era um exemplo constante. Ele na sua história que ele convencia quem o ouvia de que tudo na vida tem sua hora, para o bem ou para o mal.
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