Nunca havia entrado numa favela. Só visto de longe. E sempre que via, imaginava como deveria ser lá dentro, viver por ali, conviver com violência, tráfico e a já sabida malandragem. Poucas pessoas tinham aquele perspicácia, aquela ginga da turma da periferia. Aqueles sabiam levar a vida pouco favorável como raros. Conseguiam, mesmo em condições muitas vezes sofríveis, serem felizes. Como, não sabia.
Chegou, de surpresa, a hora. Uma pauta sobre o jeito simples dos moradores do morro, seu dia-a-dia, seus afazeres, sua realidade. Teria que entrar nas justas vielas e conhecer os moradores em poucas horas e ainda, tirar deles, algumas histórias de vida interessantes, que dessem uma boa matéria.
Achou melhor ir de ônibus, ele e o fotógrafo. O local não ficava longe da redação. O problema era subir a longa ladeira, até a parte de cima, onde preferia começar. De lá, podia iniciar seu trabalho e vir descendo, até a hora da volta. Lá de cima, a visão era incrível. O mar azul, todo aberto, proporcionava uma vista aos moradores da favela de dar inveja a qualquer milionário. Simplesmente deslumbrante.
Conseguiu subir até a parte mais alta sem nenhum incômodo, surpreendentemente. Apenas alguns olhares estranhos de algumas pessoas ressabiadas. A fama do local vinha de longa data. O fotógrado o acompanhava calado o tempo todo. Viu, em um bar próximo, uma pequena concentração de pessoas. Aproximou-se e pediu uma água mineral. Duas, disse o ainda assustado detentor da máquina fotográfica, olhado de perto pelos moradores, que pareciam "crescer o olho" em seu instrumento de trabalho, avaliado em alguns poucos mil dólares.
Bebeu um longo gole e perguntou ao homem se ele era o dono do local. A resposta afirmativa deu início a uma conversa com seu primeiro personagem. Antes que pedisse ao companheiro, o mesmo já tirava fotos da conversa e do local. Os moradores ali, só vendo. Conseguiu, no mesmo lugar, mais dois personagens. Um senhor, morador da favela há 34 anos, e que dizia que a situação ali nunca estivera tão boa. Os traficantes protegiam a vila, que agora contava com água encanada e TV a cabo, ideal para os fins de noite. A mulher entrevistada assumia o desemprego recente com uma ligeira raiva da patroa que a botou pra fora após desconfiar de roubo, sem muito motivo. As histórias ali eram diferentes, pareciam únicas e cada uma delas poderia dar uma bela capa de milhares de caracteres. As fotos também saíram boas, mostraram bem a essência do ambiente.
Aquele era um de seus primeiros trabalhos como repórter, mas o nervosismo não se mostrou presente, como nas primeiras oportunidades. Talvez pela simplicidade do povo se manteve tranquilo e encarou o trabalho como um simples bate papo com gente pobre, mas de muita dignidade e humildade. Ali, não tinha o compromisso de parecer assim ou assado. Era somente pegar as histórias diversas que saíam facilmente e depois selecioná-las para botar no papel. Uma pena não ter espaço para colocar tudo que merecia. O resto iria para seu blog pessoal, pouco visitado, mas bem frequentado e constantemente atualizado com relatos e opiniões.
Em um lugar que menos esperava, tirou lições proveitosas que seriam benéficas por muitos anos de profissão. Encarar cada entrevista como um bate-papo informal era a primeira delas. E ver o entrevistado, mesmo que famoso, como um ser humano normal, igual a ele.
O muro que parecia existir entre ele e os famosos e celebridades que iria entrevistar parecia desmoronar. Um retrato da favela que nunca seria esquecido.
* homenagem à Celso Moretti, criador do reggae-favela
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1 comentários:
Sério!! ?
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