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quinta-feira, 30 de outubro de 2014

Gandula nunca mais



Era só um pouco acima do peso, mas a pouca idade, aos oito anos, o fazia se destacar de forma negativa, principalmente quando estava perto dos amigos. Na hora da escolha dos times, no recreio, sempre era o último, apesar de saber o que fazer com a pequena.

Sentia-se rejeitado, mas o dia de vingar-se (silenciosamente) chegou mais rápido do que imaginava. Por intermédio do tio, diretor de futebol de um grande clube, conseguiu uma vaga de gandula no maior estádio da cidade.

Não falou nada com os amigos durante todo o dia na escola. A língua 'coçou', mas ficou quieto. Os amigos só foram descobrir na transmissão, quando o viram por trás das placas de publicidade.

A felicidade de ver o jogo do time do coração de perto logo transformou-se em tormento. Os quilos a mais logo se tornaram um empecilho.

Já tinha percebido que o físicos dos companheiros de reposição de bola era mais privilegiado, mas não tinha pensado que isso poderia fazer alguma diferença na função. Bastou o jogo começar para a 'ficha cair'.

Foi posicionado logo no meio do campo, atrás das placas de publicidade. A primeira bola que saiu foi do outro lado do campo. Quando viu o amigo gandula pulando a placa com desenvoltura, viu que sua missão seria complicada.

Quando chegou seu momento de repor a bola, o fez com eficiência. A dificuldade apareceu quando teve que pegar a bola que havia saído. Sabia que não tinha condições de pular a placa. Passaria vergonha, certamente, com uma queda histórica. Ririam dele no estádio e na escola. Difícil apontar qual situação seria pior.

Não teve outra opção a não ser dar a volta por todas as placas e caminhar rente ao campo para pegar cada bola que saía pela linha de lado. Mesmo vendo os olhares 'tortos' dos companheiros gandulas, ele conseguiu se virar. Não fez um único salto mas teve que correr mais do que qualquer um.

No dia seguinte, os amigos o idolatravam. No começo, até estranhou. Perguntavam tudo que era possível. Estar quase dentro do campo era o sonho de muitos. Só ele havia realizado, pelo menos na escola. Podia ter aproveitado a oportunidade para descontar uma raiva ou outra que havia passado, mas a lição dada pela mão não foi esquecida facilmente.

Só de pensar no próximo jogo em que seria gandula, desistiu. Abriu mão da vaga de espectador privilegiado para evitar as voltas que pareciam infinitas. Pular placas era uma missão impossível.

A fama serviu para que ele fosse um dos primeiros escolhidos na hora da 'pelada'. Afinal, tinha visto um jogo oficial de perto e só isso bastava. No final das contas, ver o jogo de perto valeu muito mais pelo reconhecimento na escola do que para se vangloriar de ter estado quase dentro do gramado.

Tê-lo no time era motivo de briga por parte dos colegas. O peso, agora, não era mais motivo de incômodo. Já tinha tudo o que queria, graças a uma participação que nunca mais se repetiria. ...read more ⇒
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quinta-feira, 2 de janeiro de 2014

Adeus, Sorín

Esperava os dois filhos pequenos irem na frente para depois aparecer. A 'tática' costumava dar certo, mesmo que alguns fregueses dos bares da região logo percebessem sua presença, minutos depois.

Deixava os pequenos ganharem distância para tentarem vender as rosas, colhidas em um jardim próximo de casa. Depois que eles já estavam circulando em meio às dezenas de mesas, era tiro e queda. Olhar para o lado e lá estava a mãe, de longe, observando as crias, como quem protege os filhotes. Contava as moedas e mostrava a cara de desgosto.

O mais velho já estava até bem grandinho. Não conseguia mais, com tanta eficiência, sensibilizar os clientes. A ideia era usar o tamanho e a pouca idade para que as vendas fossem boas. Poucos eram o dias proveitosos. Quando ele voltava com quase nada, era xingado e tinha que escutar como se não tivesse cumprido sua obrigação.

Via-o oferecendo as flores para os casais e até para mesas só de homens, não custava tentar. Sentia, de longe, a preguiça nele. Eram mais de 10 anos naquela luta diária.

A falta de atenção que ele recebia a fez tomar a decisão que vinha sendo alimentada. Ter um novo filho. Precisava de alguém com mais eficiência nas vendas, era esse o objetivo.

Pouco pensava nas condições do barraco de um cômodo, onde todos dormiam amontoados. O marido ajudava pouco e tinha mais utilidade na procriação.

Com um filho mais novo, em três ou quatro anos, conseguiria colocar o novo membro nas ruas e ensiná-lo a melhor abordagem. O mais velho, que ainda servia para as vendas, seria 'aposentado' e teria que se virar sozinho.

Não dava mais. O apelido de 'Sorin', pelos cabelos compridos, era sua marca registrada. Já o irmão chamava atenção pela cicatriz no rosto e voz fina. Vendia fácil e despertava mais a atenção dos frequentadores de botecos e bares.

Pensou no que faria com o filho 'aposentado', que pouco sabia da vida e mal havia frequentado a escola. Olhou o bolso vazio e lembrou que estava em um dia fértil, ideal para que a data não fosse perdida. Logo tratou de assobiar.

Os dois logo apareceram e foram embora. Os dias seguintes podiam render novidades, boas para ela e não tão interessantes para o pequeno sósia argentino, que teria que se virar por conta própria. ...read more ⇒