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sexta-feira, 13 de fevereiro de 2015

Saindo dos trilhos



Todo dia era a mesma história. Entrava na estação do metrô e espiava bem para ver se nenhum fiscal ferroviário estava por perto. Não gostava de chegar ali no horário de pico, seu trabalho não seria feito da mesma forma. O horário das 11h era o ideal, menos gente e mais silêncio para tentar sensibilizar um único passageiro que fosse. Com pouco esforço, a meta era superada diariamente.

Com 37 anos de idade, separado e pais de dois meninos, ele tinha uma oratória única e chamativa. Pedia um trocado diariamente e tudo que arrecadava ia para o sustento próprio. Muitos duvidavam, mas outros tantos eram convencidos com sua história de vida, contada resumidamente em pouco mais de cinco minutos.

Este tempo era suficiente para percorrer duas estações e pular para um outro vagão. Chegava na estação final e ia para o outro lado, onde o trem voltava ao seu trajeto inicial. Cansado de procurar emprego e dos preconceitos, decidiu que focaria no seu poder de persuasão enquanto ele estivesse funcionando.

Ao contrário de muitos outros, ele não precisava entregar papéis ou vender balas ou chicletes. Seu poder estava na palavra, no tom de voz, na sinceridade.

Mal sabia como dava certo, só tinha a certeza que funcionava. Falava com o coração, com a calma. Contava boa parte de sua trajetória de vida e antes mesmo de terminar, já tinha gente contando trocados para lhe dar. Quando viu uma moça jovem chorando depois de ouvir seus relatos, viu que tinha potencial para a coisa.

Contava das dificuldades de levar comida pra casa, do filho com fome, das ausências do mais novo na escola por não ter como ir, das desculpas que ele inventava para eles para sofrerem menos. Quando um pouco aparecia, não pensava duas vezes para dar a ele, abdicando de sua própria alimentação ou felicidade.

A mãe havia sumido, desapareceu e nunca mais deu notícia. Tinha que se virar, deixava os filhos com a avó, aposentada e moradora de uma favela. Todos residiam juntos em um barraco de dois cômodos.

Em um dia comum, quando faltava pouco tempo para terminar a última viagem, foi abordado por um senhor de terno, que lhe entregou um cartão com um endereço. Foi no local no dia seguinte, mesmo receoso.

Ficou na dúvida quando chegou em uma igreja evangélica. Foi recebido pelo mesmo homem, que afirmou ter ficado impressionado com sua história de vida. Viu ali um potencial enorme para pregar e o convidou para ser pastor, com uma renda fixa e comissão sobre tudo que entrasse na casa de Deus como contribuição dos fiéis.

Mudou de vida, mas continuou tendo sua oratória como o ganha-pão. Nunca mais abandonou a igreja e fazia questão de usar suas experiências nos trens da capital para motivar e convencer seu rebanho. Seu depoimento ganhou um outro contorno, mas com a mesma base que sempre trilhou seu caminho.

A vida melhorou e sua evolução era um exemplo constante. Ele na sua história que ele convencia quem o ouvia de que tudo na vida tem sua hora, para o bem ou para o mal.


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