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segunda-feira, 24 de março de 2008

Por um dia

Nunca havia saído de sua terra natal. E com certeza o Brasil não era uma das primeiras opções quando pensou, anos atrás, em visitar um país estrangeiro. Mas ali estava, por força do destino. Nunca pensou que gostaria tanto de um país de terceiro mundo. E ele estava ali há apenas 3 dias. Mas tudo lhe encantava, tudo era muito diferente. Fruto do fato de sair do país de origem e até mesmo do estado natal após os 20 anos de idade. Seu mundo era somente aquele, sempre fora.

Agora, tudo era novidade: os carros, as pessoas, a língua, a comida. Mas tudo lhe caíra super bem, adaptação melhor impossível. A recepção dos amigos anfitriões não era novidade. Já os conhecia de festas e viradas quando estiveram no estrangeiro. Agora, aquele que ali chegava, estava no papel inverso: agora, era ele o de fora, o visitante. E estar por perto de quem já conhecia tudo ali, de quem nascera naquele local facilitava tudo.

O que mais lhe impressionara, até então, era a hospitalidade das pessoas. Quem diria, que logo num país de terceiro mundo, as pessoas seriam muito mais simpáticas, cordiais e atenciosas do que outras de um país conhecido pela altíssima qualidade de vida. Apesar de todas as dificuldades que ele sabia que aquelas pessoas enfrentavam todos os dias, a vontade de deixá-lo à vontade era nítida.

Ficou impressionado quando, em um dos primeiros semáforos que parou, viu um garoto correndo lá de perto do sinal, vindo em sua direção, parando em frente a cada um dos carros, sabia-se lá porquê. Só quando o garoto se aproximou é que pôde notar que ele deixava um saco de balas com alguma mensagem em cada um daqueles retrovisores. E logo quando acabava de colocar o último saquinho, já voltava recolhendo-os, com pressa, antes do sinal abrir.

Só aí é que ele viu, de verdade, o que muitas pessoas faziam ali para ganhar a vida. É claro que já tinha ouvido falar da situação difícil que muitas pessoas passavam no Brasil, da pobreza e miséria. Mas ouvir é uma coisa e vivenciar, presenciar ali, ao vivo, era outra, completamente diferente. De imediato, começou a pensar onde estariam os pais daquela criança, que não devia ter mais que oito anos. Onde moravam e em que situação, o que comiam, como era o dia-a-dia de cada um deles. E logo começou a imaginar que deviam existir milhares de outras que faziam aquele mesmo "trabalho" do garoto ou algo parecido, ou não tão parecido, para tentar ganhar um troco, manter a vida. E só aí é que a ficha caiu, ao pensar, na alternativa de assaltos, roubos e adjacentes que muitos escolhiam para tentar sair daquela situação em um tempo mais rápido.

E pensando em toda essa situação, o tempo voou e logo chegou ao destino, à sua "casa" naquele mês de outubro. No dia posterior, ele teria uma experiência que nunca mais esqueceria.

Logo nas proximidades do estádio, já havia grande movimentação de pessoas. Todas com camisas das cores do clube, bandeiras e faixas. Bem próximo ao estádio, a famosa "concentração". Todos reunidos, no bar de sempre, se "concentrando" para o grande jogo que aconteceria em breve. Cantos e gritos eram externados o tempo todo. Nunca vira algo como aquilo na vida. Aquilo sim era fanatismo.

Estádio cheio, foram obrigados a parar o carro há algumas quadras do portão de entrada. Oportunidade ideal para o gringo circular um pouco por dentro da massa, sentir o clima, estar ali presente, como qualquer outro. A venda de ambulantes no caminho lhe chamou muito a atenção. Cada um procurava chamar a atenção dos milhares de clientes à sua maneira. Voltou à sua memória a situação do garoto do semáforo. Bem à sua frente, um homem sem camisa com uma tatuagem nas costas. Algo escrito em português não lhe era compreensível. Perguntou ao amigo anfitrião, que era seu tradutor oficial, do que se tratava e não acreditou quando soube que ali, estava o refrão do hino do clube.

Antes da subida para as cadeiras, mais uma cerveja. Achava sensacional a idéia de comprar duas latas de cerveja com apenas um dólar.

Quando entrou no estádio, já tinha bastante álcool no sangue. Quando entrou naquele túnel e pôde ver, pela primeira vez, aquela torcida de que tanto ouvira falar, enchendo e colorindo o estádio, foi uma das maiores sensações de sua vida. Pôde, finalmente, sentir toda aquela vibração que havia escutado por várias vezes.

A entrada do time em campo foi um êxtase. Muitos fogos e uma bandeira gigante, que ocupava quase toda a arquibancada não deixaram que ele prestasse atenção nos jogadores que adentravam o gramado. Tudo ali era novidade, o tempo todo.

Local escolhido, boa visibilidade e uma certa distância do local de maior aglomeração ajudaram que o jogo fosse visto com maior tranqüilidade. O resultado foi o de menos. O que valeu para aquele estrangeiro, naquele dia, foi ser um atleticano de verdade, estar ali presente com a massa, sentir a vibração da torcida, cantar, pular, vivenciar um dia de clássico.

Fizera parte do que tanto ouvira e realmente era aquilo tudo que lhe contaram. Ou mais. Saiu de "alma lavada" do estádio, agradecendo pela oportunidade de uma experiência inesquecível, que só seria presenciada novamente, ali, naquele lugar, naquela cidade, com aquele time e aquela torcida.

Agora entendia a felicidade e o orgulho que era em ser um atleticano nato.


*Homenagem à Graham Taylor, the canadian waiter.

2 comentários:

Gabi disse...

arrepiei ao ler o texto, dani! só quem é atleticano que entende...

adorei o texto! vc era o tradutor???

bjus

Daniel Ottoni disse...

eu era o tradutor sim, mas o suplente

o oficial é um tal de breno pádua...rs...

bjus!