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quinta-feira, 4 de agosto de 2011

Seu Saliva

Seu Saliva era um senhor de 68 anos, turco, que chegou ao Brasil depois da 2ª guerra, acompanhado da família, fugindo da babilônia. Tinha uma pequena venda embaixo de casa, nada lucrativo, apenas mantenedor. Figura carismática do bairro, era o morador mais antigo dali, há exatos 27 primaveras.

Apesar de querido, Seu Saliva tinha um defeito terrível: falava cuspindo. Não conseguia proferir palavras em seco, jamais. Pelo menos 1 ml 'de lambuja' era proferido pelo nosso personagem.

Aquilo incomodava a todos. Ninguém suportava conversar com Seu Saliva. Quando acontecia, distância era a regra número um. Um aceno de longe, do outro lado da rua, era recomendável. Apesar da boa praça de Seu Saliva, existia limite pra tudo.

No bairro, já era assunto conhecido e falado desde sua chegada. No começo, diziam, era bem pior. Depois de velho, não conversava mais como antigamente, jovem e casado.

O defeito (e apelido) de Seu Saliva só não era (re) conhecido por ele mesmo. A turma do bairro falava com todos, menos com o detentor da proeza difícil de se ver. O aproveitamento do turco era de quase 100%. Nem mesmo a esposa comentava, quanto mais os outros. A dedicação da vizinhança em manter o segredo era impressionante.

Em um aniversário, uma estrangeira distinta, amiga de seu neto, conheceu Seu Saliva de perto. De tão perto, que ficou metade do rosto molhado. Gritou palavras altas e indecifráveis, porém de baixo calão, com certeza. Olhou para o velho como se tivesse cometido um crime até a festa inteira parar.

Ainda aprendendo o português, errou quando disse 'esse seu saliva tá difícil', em alto e bom som, facilmente compreendido por quem estava perto. Limpou o rosto enquanto uns riram, outros não. Sem graça, viu-se em volta do primeiro constrangimento internacional.

Seu Saliva conseguiu ficar mais sem graça do que a ingrata visita. No espelho do banheiro, impressionou-se. Quando voltou, sugeriu um novo apelido para si mesmo: Seu Saliva, em homenagem ao equívoco verbal e a seu distúrbio, que virou motivo de piada pública, depois de longo tabu.

* em homenagem à amiga Malin Sjöstrand

1 comentários:

Anônimo disse...

Boa amore!!! rsrs
Paulinha