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segunda-feira, 9 de maio de 2011

Fumaça no pulmão dos outros é refresco!

Adorava tomar uma cerveja gelada, ainda mais em boa companhia. Com um bom papo, várias cervejas desciam, uma atrás da outra, e ele mal via, só aproveitando a conversa que parecia não ter fim. Um assunto era emendado em outro, que ia pra mais um, passando por confissões, piadas e alguns momentos de silêncio, também bem-vindos.

Mas nem tudo era perfeito. A hora do cigarrinho lhe incomodava demais. Uma fumaça tóxica e fedorenta que parecia lhe adorar, sempre ia em sua direção. Ficava impregnada no cabelo, na roupa e muitos juravam que era ele quem havia fumado há poucos instantes, tamanho odor que exalava. Mas tudo vinha de seu estimado companheiro, fumante assíduo há mais de 30 anos.

Havia deixado o cigarro ainda na adolescência. Se lembrava em como gostava de fumar um cigarro e tomar uma cerveja. Até o casamento de um amigo. Um porre daqueles, uma ressaca histórica e uma bela vontade de colocar tudo pra fora na manhã seguinte, quando foi acender o primeiro do dia. A partir dali, tomou nojo e não suportava mais cigarros.

Toda vez que sentia o cheiro, lembrava do gosto insuportável que ficava na boca, da mão com aquele cheiro de nicotina barata e das náuseas pós casório. "Nunca mais", prometeu para assim mesmo. No começo foi mais difícil, algumas situações pareciam implorar por inofensivos traguinhos naquele tabaco. Mas depois acostumou-se e já faziam mais de 20 anos que abandonara o vício. Dava graças pela sábia decisão.

E todas as vezes em que encontrava com o amigo para uma cerveja, lá estava ele com um maço no bolso da camisa, fechado e outro no bolso da calça, prestes a acabar. Era uma chaminé ambulante, era um atrás do outro, acendia o próximo na guimba do último. Insistia em falar para o amigo sobre os males e toda a história que todos já sabem, sem resultado algum. Quando um ou outro resolvia acompanhá-los, rezava para que não fossem fumantes.

Em um destes dias, eram quatro na mesa, três fumantes e ele ali, no meio daquele tiro cruzado, enfumaçado, sufocado por tanta coisa ruim de uma só vez. Preferiu se retirar enquantos os fumantes se deliciavam. Normalmente, os fumantes se retiram para darem seus prazerosos tragos. Mas como era minoria e o local era aberto, não teve opção. Saiu da mesa com seu copo de cerveja pela metade, foi dar uma volta, conhecer o bar já conhecido, conversar com um garçom ou outro, ver uma menina bonita aqui, outra ali, enquanto a turma entupia os pulmões de fumaça preta e cancerígena. "Já devo ter câncer de pulmão há muito tempo", pensou silenciosamente, tendo como referência o tempo que passou ao lado do amigo.

Costumava suportar a fumaça vinda de um único cigarro, mas não de três ao mesmo tempo. Ficava assustado em como os três nem se importavam com o incômodo que causavam. Nem se davam conta de que poderiam estar atrapalhando alguém. "Que se dane esse caretinha", deviam pensar.

Quando o quinto elemento da mesa chegou e colocou a mão no bolso, rezou para não ser uma maço de cigarro. Não deu outra. Não dava mais. Levantou e foi embora. "Eles que se virem com a conta", pensou com raiva. "A minha, do médico dos pulmões, sou eu que vou pagar". Bateu em retirada para nunca mais voltar.

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