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segunda-feira, 2 de maio de 2011

Vai pra onde, minha senhora?

Assim que desceu do ônibus, viu o rosto enrugado antes mesmo de colocar os pés no chão. Cabisbaixa, com um lenço na cabeça, miúda, pequena, quase nada. Passa desapercebida para muitos, que andam logo ali tão apressados, sem dar atenção para o lado.

Tentava enxergar os ônibus, de longe, com dificuldade. A cor e os destinos passavam batido. Sua rota era Macaxeiras. "Ônibus 127, linha B, cor azul com lilás, mais azul do que lilás, tá mãe?", disse a filha, passando uma orientação atenciosa mas única. A memória da senhora era boa, o difícil era enxergar.

O cabelo branco, cheio de grampos e o vestido típico de muitos idosos dificultavam que ela chamasse atenção.

O garoto encostou na parede perto do ponto e mirou a velha senhora com dois sacos de latinhas vazias e amassadas, na altura do seu joelho. Não só o rosto, mas a pele também era recheada por rugas e marcas do tempo, mostrando uma pele frágil. Pensou para onde ela estaria indo, por que estava sozinha.

Não era comum ele notar dificuldades e situações próximas, mas aquilo chamou sua atenção. Viu sua dificuldade em enxergar os ônibus e se aproximou. Ouviu a indicação e deu sinal para o segundo ônibus que passou. Ajudou a idosa e subir no ônibus, se misturando no meio de tanta gente, já em pé.

Enquanto o ônibus partia, imaginou em tudo que ela tinha vivido até estar ali. Parecia infeliz e solitária, mas conformada. Comparou-se com a senhora até que o pensamento se foi. Não percebeu que durante todo o dia tentava lembrar de algo, que não surgia, mas incomodava.

Somente quando botou a cabeça no travesseiro e descansou, é que lembrou de tudo. Imaginou, no mesmo instante, onde e como estaria a velhinha vista pela manhã. Sorte, privilégio e um destino não muito grato para uns, demais para outros. "Vai pra onde, minha senhora?" - aquilo ficou para sempre.

3 comentários:

natplena disse...

Gostei demais, fez-me pensar em coisas das quais às vezes me esqueço... Sucesso e felicidades, sempre! bjo...

Paula Carolina disse...

É importante parar de vez em quando e notar os "invisíveis". Mesmo que seja através de um texto assim! Mto bom!! bjoss

Igor Moreira disse...

:)