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quinta-feira, 28 de abril de 2011

Não te conheço, mas te odeio

Em um prédio de quatro blocos, 100 apartamentos e 350 moradores, era de se esperar que existissem torcedores de todos os times. Os dois grandes da cidade eram preferência entre os condôminos.

A rivalidade era acirrada, mesmo com alguns nunca se vendo. Bastava um gol para que as provocações (ou comemorações) começassem. Não precisava ser partida entre as duas equipes. Bastava uma delas estar em campo para os xingamentos e gritos, entoados e ouvidos em todos os blocos, se espalharem pelos 15 andares e quase 50 metros de altura.

Apesar de nunca terem se visto, os provocadores conheciam bem quem eram seus ‘adversários’. Era o fulano do bloco B, sexto andar, ou a chata de galocha da menina do bloco C, segundo andar. Sabiam bem onde era o lugar ideal para gritar para que o rival pudesse ouvir melhor a provocação. Se gritasse da cozinha, a menina não ouviria tão bem. Já da sala, ela ouviria como se estivessem bem ao seu lado.

Em dias de derrota, não adiantava discutir. Era melhor ouvir as comemorações dos que secaram durante os 90 minutos, loucos para descarregar a raiva que ficou da última vez em que o tiraram do sério. Chumbo trocado não dói. Os que não se seguravam, rebatiam, mas não valia a pena gastar a voz quando o triunfo não aparecia. Era melhor sumir do prédio, dar uma volta, pegar um filme e tentar esquecer.

Em jogo entre as duas equipes, o bicho pegava, literalmente. Até os cachorros entravam na parada. Os latidos começavam antes mesmo dos jogos, provocados pelos fogos de artifício que a vizinhança do quarteirão resolvia soltar. Depois de vitória então, volta e meia os nomes dos times eram gritados, até a madrugada. Deixar o perdedor dormir não valia.

Naquele 19 de abril, o clássico marcou a final do campeonato. Os 2 a 0 vieram ainda no começo do jogo e quem teve a sorte de ver o time em um dia inspirado, aproveitou a deixa para pedir silêncio do adversário, que devia estar roendo até as unhas do pé em frente à televisão.

Ao final do jogo, era um saindo para comemorar e outro em casa, louco para pegar no sono o quanto antes e esquecer tudo que passou. A segunda feira seria pesada. Mas o sono não veio. Resolveu descer para fumar um cigarro, conversar com o porteiro, ver as crianças brincando.

Aos 30 segundos de elevador, parada no quinto andar. Entra um homem gordo, de barba, mal vestido. Mal o cumprimentou. Apertou o botão da garagem, ao lado do já acionado P da portaria. Quando o derrotado saiu do elevador, um até logo do companheiro de corpo avantajado. Reconheceu na hora a voz do provocador de vários anos. Tentou ainda abrir a porta do elevador, que já havia descido. Ainda teve tempo de ver o vizinho sorrindo maliciosamente para ele, enquanto descia. O dedo do meio esticado também pode ser visto.

Agora sim sabia de quem era aquela voz pesada, que gritava ‘gol’ seguidamente. O gordo o conhecia, já sabia quem ele era. Ao contrário, ele nem havia desconfiado do vizinho com pedaços de pano encobrindo o corpo. Agora, pelo menos, já sabia de quem se tratava, sua fisionomia, andar e bloco. O apartamento não importava.

Uma surpresa estaria guardada para um futuro próximo, na vitória que viria, certamente, em poucos meses. Os vizinhos de andar seriam prejudicados. Tomariam um belo susto, tão grande quanto o do rival aborrecido. Agora era guerra.

5 comentários:

Vinícius F. Magalhães disse...

Gostei, Jah! Acho que você até bem poderia continuar. Ia ficar bacana.

Daniel Ottoni disse...

Ia ficar grande demais...rs...

mas vlw!

Brenim disse...

Achei que era aquela galera da pouso alegre x celio de castro. Essa daria uma boa tb, mas gostei do post.

Rodrigo Melo disse...

e aquela do Geraldo Fogueteiro??? Aquela sim merece um post! boa dodô

Daniel Ottoni disse...

Quantas demandas!

Podem me cobrar, todas sairão...rs...