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terça-feira, 15 de abril de 2008

Refazenda

Era a primeira vez que ia a um casamento após o seu próprio casamento. Acompanhado da esposa, saiu, em traje de gala, atrasado. O relacionamento dos dois era ótimo. Brigas praticamente inexistiam. Algumas discussões apareciam, uma vez ou outra. Coisa mais que normal. Morar junto dela era o que ele mais desejava naqueles últimos anos. Depois de um namoro de sete anos e mais um de noivado, já estava na hora de casar e colocar a relação em outro nível. E sentia que aquela era a melhor época do relacionamento: morando junto e sem filhos, por enquanto. Todo o tempo que tinham era para um aproveitar a presença do outro. Os descendentes chegariam, mas não agora. Agora era o momento ideal para aproveitar o que tanto queriam.

A vida era tranqüila: do trabalho pra casa, da casa pro trabalho, às vezes um futebol, um buteco, uma saída, um jantar...As contas eram pagas integralmente e era possível até mesmo juntar um pouco mais para o futuro. Tudo na paz.

Depois de esperar a querida esposa se arrumar por mais de 50 minutos, finalmente deixaram a casa que moravam para atravessar a cidade, rumo à igreja onde o casal de amigos se casaria. A felicidade de presenciar tal fato era bem parecida com a que sentiram quando se casaram.

Como em toda cidade grande, o tráfego apareceu rapidamente. O atraso seria maior ainda. Não era possível saber se o congestionamento era causado pelo excesso de carros que engolia a cidade a cada dia ou se havia sido provocado por algum acidente ou blitz de trânsito. Agora era ter paciência. Ligou o rádio e abriu os vidros da frente apenas um pouco, devido à chuva que começava a cair. Alguns ignorantes buzinavam incessantemente, como se fosse adiantar. Bem devagar, o trânsito caminhava.

Chegando próximo ao semáforo, o susto. Uma moto com dois ocupantes se aproxima do carro e quando se deram conta, o pequeno espaço do vidro aberto era “ocupado” pelo gatilho de uma arma. Algo era dito pelo dono da arma, mas era difícil de entender tanto pela chuva como pelo capacete que abafava o som do voz. Provavelmente pedia dinheiro, relógio, qualquer coisa. Sem tempo para pensar, pegou a bolsa que estava no colo da esposa e começou a abrir o vidro para entregá-la. Tarde demais. O sinal abriu e o disparo fora inevitável para o menor de idade, aprendiz de assaltante, que se encontrava visivelmente nervoso. A moto partiu em disparada por entre os carros. O desespero apenas começava. O tiro atingiu a mulher, no rosto. Ela parecia desmaiada, mas respirava com alguma dificuldade. Tinha pouco tempo para salvá-la.

O hospital mais próximo dali era a uns 7km, o que daria uns 5 minutos, sem trânsito. Mas era uma sexta-feira à noite, e os 5 minutos facilmente se duplacariam, triplicariam, com tantos carros pela frente. Ligou o pisca-alerta, abriu o vidro e começou a buzinar. A todo momento olhava para a esposa. O desespero se misturava com choro, medo, aflição. Um filme começou a passar pela sua cabeça. Para quem não sabia o que ocorrera, ele era mais um idiota a buzinar para que o trânsito sumisse de sua frente.

Após 15 minutos de muita luta, conseguiu chegar ao hospital. A esposa foi rapidamente colocada em uma maca e encaminhada para a cirurgia. O tempo corria contra eles. A todo momento, buscava informações com funcionários e médicos, que sempre lhe pediam para esperar; a cirurgia ainda estava em andamento.

Às 2h12, o óbito. Não foi possível salvar a paciente, que perdeu muito sangue no caminho e chegou ao hospital praticamente sem vida. Não sabia no que pensar. O casamento já nem era mais lembrado. O corpo seria encaminhado para o IML em breve. O médico responsável pela cirurgia, o aconselhou a ir para casa, tomar um banho, descansar um pouco e voltar pela manhã para as últimas providências.

Entrou no carro cheio de sangue e desabou. A roupa quase vermelha foi encharcada pelas lágrimas que tomaram conta daquele viúvo precoce de 29 anos. Começou a pensar em Deus. Por que aquilo aconteceu? Ele merecia? Pensou no assassino, no trânsito que enfrentaram, na saída atrasada de casa, na abertura da pequena brecha do vidro, em cada detalhe daquela noite. Começou a se sentir culpado por ter aberto o vidro do carro, por não ter furado o sinal antes da chegada da moto, por não ter saído antes de casa...o desespero imperava. Não sabia para quem ligar, o que fazer, era tudo muito recente. Perdera seu porto seguro, sua fiel companheira, presença constante na até então feliz vida que tinham.

Mesmo anos depois, a lembrança o atormentava. Não se acalmava em um congestionamento, ao ver carros e mais carros uns atrás dos outros, naquela lentidão eterna. O morar sozinho era pior ainda. Olhava para os lados e nada via, a não ser as fotos de quem hoje com certeza estava melhor acompanhada.

Chegou à conclusão que ficaria doente se continuasse daquele jeito. Todos os dias aquele trânsito infernal o atormentava. Mas o seu incômodo era muito maior do que os dos outros que tinham que enfrentar aquela infinidade de automóveis para chegar ao destino. A cada pequena acelerada, a lembrança de tudo, da moto, da útima conversa, da bolsa, da arma no vidro, do disparo, da fuga. Não podia viver daquele jeito.

Com as economias que tinha, se mudou. Para longe, onde carros eram raros e o silêncio estava sempre presente. Lugar mais tranqüilo que uma boa e velha roça era difícil de existir. Acordar com o cheiro de café moído e poder ver um grande curral da janela do seu quarto o livrava de qualquer tormento. A lembrança ainda persistia, mas hoje, com a ajuda de uma moradia mais calma e menos estressante, convivia com ela de uma forma mais pacífica, mais amena, muito mais saudável. Aceitou o acontecido, perdoou o autor e acreditava que aquela mudança fora significativa para seguir em frente. Nada mais podia ser feito. Mas tinha a certeza de que a presença da cidade grande o colocaria doente em poucos anos, ou até meses.

A sua preocupação agora era somente tomar conta do gado, da pequena horta e treinar o time de futebol amador da cidade. Seu meio de locomoção era uma bicicleta velha, usada há anos pelo dono do armazém da esquina, que lhe vendera por uma barganha. Pode-se dizer que, de certa forma, reencontrou a felicidade, mesmo sozinho.

Os amigos o visitavam com freqüência e preenchiam, de alguma forma, o vazio que nunca mais sairia da lembrança.

3 comentários:

Gabi disse...

nossa, dani, que triste essa história... é real???? =(

vc continua escrevendo mto bem =)

bjus

Daniel Ottoni disse...

acho q o final poderia ter sido melhor, mais bem trabalhado...

fiquei achando q faltou algo...

criatividade provavelmente...rs...

a história nao eh real ñ, eu tive essa idéia, mas eh bem provável dela ter ocorrido com alguém....

so vc q comenta aqui...snif, snif...

eu entro no seu blog todo dia,ok? rs...

bjussss

Gabi disse...

eu achei mto bem escrito, dani! vc está melhorando cada dia! fiquei tensa no meio da história... era como se eu tivesse lá.

eu adoro seu blog! por isso venho sempre e comento sempre =D

e adoro seus coments no meu blog tb =)

bjuuuuuuuus