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sexta-feira, 9 de maio de 2008

Programa de índio










Mas se engana quem pensou que esta foi a famosa roubada. Pelo contrário. Foi uma experiência incrível, pra guardar pro resto da vida. Viver 4 dias como índios, estar a todo momento ao lado deles, conversando, vivenciando a realidade indígena é algo difícil de escrever ou contar.

Apesar de algumas dificuldades e de algumas situações inusitadas, foi bastante interessante. Pegamos um trem até a estação Krenak (na verdade, é apenas uma parada entre Conselheiro Pena e Resplendor, sem plataforma, ou local para compra de passagens), que fica no meio do nada, às margens do Rio Doce. Andamos cerca de 2km, lotados de mochilas, barracas e equipamentos. Lá, pegamos um pequeno barco à remo para atravessar o Rio Doce e do outro lado, um trator nos esperava. A noite caía e por dentro dela, viajamos por cerca de uma hora, nesse veículo rural. Fui emcima da roda, ao lado do pajé da tribo, Euclides. Homem com uma história incrível e detentor de um conhecimento invejável sobre a história da tribo, cura através de plantas, ervas e muito mais. Fica difícil falar tudo aqui...

Armar barraca no escuro, no meio do nada, foi dureza. Mas conseguimos. E a recompensa veio com a turma em volta da fogueira e um céu indescritível, entupido de estrelas, bem acima de nossas cabeças. Era possível até mesmo ver algumas estrelas cadentes.

Os Krenak têm uma história belíssima, cercada de conhecimento, cultura, tradições, rituais e algumas manchas. Foram expulsos de sua própria terra e depois a reconquistaram, com muito esforço. Uma certa empresa que construiu uma ferrovia bem no meio de seu território tem grande parcela de culpa pelo sofrimento que todo o povo Krenak passou. Só agora estão voltando a negociar, conversar, demonstrar algum interesse pela causa.

A diferença da realidade já começa aí. Não é como comprar um apartamento, parcelar, financiar, depois muda, compra, vende, aluga. É terra, maluco. Pedaço deles, que eles criaram seus filhos, netos, lugar onde plantam o seu sustento e fazem rituais de adoração à natureza, companheira de longa data.

A recepção foi muito boa. Pessoal tímido, simples, humilde, mas acolhedor e hospitaleiro toda vida. Definitivamente, mineiros.

- "Olha gente, se alguma coisa tiver ruim, vocês podem falar. Se a comida tiver salgada demais ou se vocês precisarem de alguma coisa, é só falar".

Esse foi o professor da tribo, Itamar Krenak, no nosso primeiro encontro. O cara tem apenas 27 anos, e hoje, é um dos principais integrantes da tribo na luta pelos direitos e causas indígenas. Na luta pela valorização da cultura, da história, da importância que esse povo tem há muitos anos e muita gente nem sabe. Eu também não sabia de nada. Li um pouco sobre eles antes da viagem, mas foi só lá mesmo que caí na real e pude descobrir tudo que eles passaram, passam e fazem para que as tradições sejam mantidas e preservadas.

Apesar da modernidade estar presente em algumas situações, a cultura, a língua, os rituais, a dança e os cantos, são bastante preservados e valorizados. MP3, celular, carro e câmera de vídeo são alguns dos acessórios utilizados por alguns Krenak. Mas isso não os faz menos índios. É inevitável a utilização de alguns aparelhos eletrônicos e muitos deles, são bastante úteis, como por exemplo o MP3 para colocar as músicas da tribo e também para gravar as reuniões com associações e sindicatos. Num momento de desespero, um veículo é essencial para a chegada mais rápida à cidade mais próxima, Resplendor, a 6km da aldeia. A TV serve pra passar o tempo, principalmente à noite, onde não existem muitas opções de lazer.

O dia começa cedo, com os galos cantando e as crianças correndo e brincando na aldeia, que hoje conta com 300 integrantes e 3 escolas. Na escola, as crianças têm aula de cultura, matemática, geografia... Muitos dos livros são doados por grupos de jovens de 18, 19 anos, da capital, que defendem a preservação da cultura indígena. Esses grupos já visitaram outras tribos, como as dos Pataxó. Exemplo para muitos estes grupos.

Do outro lado da tribo, ao longe, é possível ver uma montanha de pedras, um verdadeiro monumento. É o famoso 7 Salões, espaço enorme, utilizado pelos índios para rituais e visitas permanentes. Lá, a fartura de animais e peixes existe. Dizem que a água é cristalina e que o lugar é mais que sagrado. Pena que não fomos lá. Vai ficar para uma próxima oportunidade.

Uma das atividades mais interessantes foi participar de um ritual em volta da fogueira, com a presença de vários integrantes da tribo. Muita dança e música fazem parte deste ritual, em agradecimento à natureza e à presença dos ilustres visitantes. Instrumentos extraídos da própria natureza são utilizados nesse momento, que durou cerca de 2h. Só faltou aprender as músicas. A língua dos Krenak, definitivamente, não é de fácil compreensão. Mas só de participar de algo tão sagrado já fez a viagem valer a pena.

A tentativa de caça fracassou. Fomos em um grupo de 15 pessoas, acompanhados por “cachorros-caçadores”, treinados especialmente para esse tipo de situação. Acabamos assustando as capivaras, quem tem o olfato apuradíssimo. Até o cheiro de repelente é percebido pelas criaturas. Mas andar por dentro do Rio Eme, outro local de muita história e valor para os Krenak, foi outra experiência relevante. O Eme já foi muito mais cheio e limpo, mas pela presença do homem nas proximidades, o rio vem perdendo seus encantos, suas riquezas. Mas ainda existe a intenção de preservação e recolocação do rio no seu lugar de merecimento. Ainda é possível.

A aldeia é cheia dos pequenos. Crianças com 2, 3, 4 anos de idade, que fizeram a festa do visitantes, correndo e brincando a todo momento. Desde cedo, eles já são introduzidos na escola, para terem conhecimento da sua cultura, da sua história. Quanto mais cedo o ingresso, melhor. Como retribuição, a maioria pretende até sair para estudar e fazer uma faculdade, mas pretendem também voltar para seu povo, para suas raízes, para próximo daqueles que desde cedo, os ensinaram o respeito pelo próximo, o valor do povo e da sua cultura, a riqueza da sua história. Podem até sair, mas voltam. O futuro de amanhã são os pequenos de hoje. Senão, quem vai ficar para perpetuar tudo aquilo que envolve os Krenak?

Outra experiência bacana foi ver a partida de futebol dos Krenak no campeonato local. O time perdeu, muito por culpa do goleiro que falhou nos dois gols. O gol dos Krenak foi marcado de pênalti, pelo lateral-esquerdo Douglas, outra referência dentro da tribo. O duro foi a viagem de ida e volta, na carroceiria de um caminhão, cheio de gente se espremendo como bóias-frias. Foi duro, mas valeu. Chegou a ser engraçado ver todo mundo descendo do caminhão marrom de tanta poeira da estrada que pegamos. Culpa do motorista, que quis cortar caminho por uma estrada desativada e que é utilizada, até mesmo, para despejo de ossos de animais.

Só faltou a pintura e a volta com o tal do bambu, que emite um som bacana demais. Da próxima vez, volto pintado e praticamente, um músico.

Com certeza, vou voltar e levar mais gente comigo pra vivenciar essa experiência. Só indo pra ver como é. Os Krenak ganharam, de vez, meu respeito e admiração, por toda a sua história e lições que vou levar pra toda vida.






Erehé !






3 comentários:

Leopoldo Rezende disse...

Não é que estava procurando no Google sobre os Krenak e encontrei o seu blog??! Fala sério! uhaeueauhae

Bom de mais ter passado esse tempo lá com eles, com vc e a Paulinha e os Erehés do Sta Doroteia!

Até a próxima Marinheiro de Canoa de Rio!

Paula Carolina disse...

Ô, as fotos não entraram!

Esse programa foi mto bom!! Adorei o texto amore!!

Bjuss

Gabi disse...

sensacional o relato, jah. qdo vc foi lá???? qq um pode ir? tem q marcar antes???? me chama qdo voltar lá :D

bjuuuuuuus